Reformas Postecipadas

Em Portugal, a Segurança Social tem uma história longa de falta de transparência, disponibilizando pouca informação sobre dados físicos e financeiros.

o resultado é o aparecimento de surpresas na política social. a recente eliminação do regime de reformas antecipadas é um exemplo. trata-se de uma questão relevante e que merece um acompanhamento atento por parte dos portugueses. por isso, vale a pena gastar algum tempo a tentar perceber o que está em jogo.

faz todo o sentido que a segurança social ofereça alguma flexibilidade, deixando aos trabalhadores alguma margem de escolha quanto ao momento da reforma. mas só faz sentido oferecer essa escolha se ela for neutral em termos dos custos que os outros cidadãos têm de suportar. por outras palavras, se alguém decidir reformar-se mais cedo, essa escolha tem de implicar que o valor da pensão a receber tem de ser reduzido. e quanto mais precoce for a reforma maior tem de ser a redução da pensão. é possível fazer cálculos para que as penalizações pelo tempo de antecipação da reforma sejam justas, ou seja, para que as antecipações não sobrecarreguem os outros contribuintes da segurança social, mas também não penalizem excessivamente os que escolhem reformar-se antecipadamente. na prática, o estado português tem falhado, espectacularmente, porque tem definido penalizações demasiado pequenas e, com isso, incentivado a antecipação excessiva das reformas.

a possibilidade legal de antecipar a reforma é relativamente recente, datando de 1999. apenas pessoas com 55 anos de idade ou mais e 30 anos ou mais de descontos podiam tirar partido, sendo que as regras de então previam penalizações de 4,5% da pensão por ano de antecipação. este regime revelou-se desequilibrado, só não sendo usado em larga escala, porque as condições de acesso eram apertadas. este regime foi eliminado em 2005, sendo que gerou apenas 12 mil dos 1,96 milhões de pensionistas de velhice hoje existentes.

em 2007, o governo fez uma reforma da segurança social que incluiu um novo regime de antecipação da reforma. o novo regime tornou a legislação mais complexa, mas no fundamental manteve os requisitos dos 55 anos e dos 30 anos de contribuições, tendo subido a penalização para 6% da pensão por ano de antecipação. essa taxa continua a violar a neutralidade. há hoje cerca de 70 mil pensionistas ao abrigo deste regime e os pedidos de reforma antecipada, de acordo com o governo, triplicaram nos meses mais recentes, levando o executivo à eliminação do regime.

fica aqui um aviso e uma sugestão. o aviso é que, provavelmente, vão disparar os pedidos de reforma por invalidez. mesmo antes de existir um regime de reforma antecipada sempre houve dezenas de milhares de portugueses a reformarem-se antecipadamente abusando das reformas por invalidez. o número de reformados por invalidez têm vindo a diminuir, mas o fim do regime de antecipação vai contrariar essa tendência.

a sugestão é que, em vez de eliminar o regime de flexibilização, o governo corrija o sistema para ele ser neutro. as taxas de penalização têm de ser, substancialmente, maiores. e sobretudo, o governo tem de deixar de ser míope nas bonificações que oferece para quem postecipa a reforma. quer a legislação de 1999 quer a de 2007 foram injustas para quem quisesse adiar a reforma, desincentivando fortemente trabalhar além dos 65. ora, com as finanças da segurança social no estado em que estão, não seria um óptimo negócio para o estado e para os trabalhadores oferecer incentivos a sério para que estes adiassem a reforma por algum tempo?

professor, católica lisbon-school of business & economics