As pessoas anteriormente conhecidas por Audiência

Caiu um Muro de Berlim e poucos parecem ter dado conta. O tempo da barreira entre artistas e público desapareceu ou, pelo menos, essa fronteira deixou de ter cancelas. Com, sobretudo, o advento das redes sociais desvaneceu-se aquilo que no teatro se chama de ‘quarta parede’. O acesso de quem vê a quem faz tornou-se…

os efeitos desta revolução nos média é essencialmente positivo. passa a existir um medidor extra do êxito, porventura mais viável que outros – instituídos; quem paga pelo espectáculo sentirá porventura o seu tempo e dinheiro melhor empregues pela possibilidade de expressar a sua opinião; as empresas esforçam-se muito mais por agradar aos consumidores (nenhuma marca gosta de ver mensagens negativas em catadupa publicadas à vista dos demais); os artistas passam a ter uma ferramenta inédita de divulgação – até mesmo laboratório criativo (são muitos, por exemplo, os comediantes a utilizar o facebook como ‘teste do algodão’ para piadas ainda não feitas em público; os músicos apresentam jam sessions, singles novos, etc.); e em certos casos, raríssimos ainda, assistimos mesmo a uma interactividade tal entre produtores e audiência potencial que a segunda pode sentir-se, legitimamente, parte autoral da obra que segue (é-lhe requerida uma panóplia de ideias, sugestões, participação avulsa). e os factores novos de qualidade acrescida não ficam, de maneira alguma, por aqui.

contudo, e como em tudo na vida, não deixa de existir um reverso da medalha. com todo este acesso facilitado, minuto a minuto, segundo a segundo, há uma ilusão a esfumar-se em modo vertiginoso. porque também é sabido que a internet é um poiso pelo qual a frustração e a inveja nutrem enorme apreço. a distância romântica entre intérpretes e plateia está extinta. e os primeiros correm agora o risco de perder tempo precioso de trabalho para acudir a tudo o que seja opinião inane e meramente destrutiva. como sempre, a virtude estará algures no meio e uma bússola rigorosa passa a ser instrumento fundamental.

ii – karma is a bitch

há um ano, talvez menos, havia este rapaz que me perseguia no intuito de ser convidado a aparecer na televisão. dizia fazer isto, também aquilo e dava ainda uns toques naqueloutro. apresentava a simpatia forçada de quem quer demasiado e a autenticidade de uma fotocópia. chateava-me, tenho aliás a certeza, da mesmíssima forma como procurava aliciar todos os outros que o pudessem ajudar nos seus intentos. não me agradava nadinha a pedinchice, a venda agressiva, mas sobretudo causava-me náuseas o ar de ‘grande maluco’ estrategicamente planeado. parecia ser o típico wannabe, modelado com rigor cirúrgico sobre referências mais ou menos evidentes.

passaram uns mesitos e eis que o moço alcançou um espacinho iluminado num recanto televisivo pelas luzes da ribalta. passaram umas semanas mais e dá-se a coincidência de estarmos ao mesmo tempo no mesmo sítio – sendo o escriba claramente o homem certo no local errado. certo, bem entendido, para o intuito do meu interlocutor. tentei evitá-lo a conselho da antipatia natural mas fez questão de me procurar, acompanhado de uma jovem dengosa. súbito, com a espontaneidade de um vendedor de enciclopédias, vai para apresentar-me à companheira mas ‘esquece-se’ do meu nome. o mesmo tipo que, pouco tempo antes, andava capaz de me massajar os pés longamente e com afinco desde que lhe fosse solícito, precisava agora de outro favor: que fizesse o obséquio de lhe refrescar a memória quanto à minha graça. ainda retorqui, trocando-lhe intencionalmente o nome, ‘ora essa, godofredo’, mas aquilo remoeu-me. entretanto, a água continuou a passar debaixo da ponte.

há poucos dias fiquei a saber que o seu ciclo televisivo terminou de forma aparentemente abrupta. o wannabe passou num ápice a hasbeen. pois, é a vida. não está de forma alguma posto de parte um eventual comeback, mas creio que dificilmente o terá se continuar a faltar às lições de karma. l

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