Escaladas

Foram vários os atentados do Estado Islâmico na sexta-feira, 13 de novembro, um dia aziago que foi o último dia de vida para muita gente inocente. É uma guerra? É a guerra, a nova guerra entre o Islão e o Ocidente?

Vamos com cautela e não nos deixemos comover nem iludir pelas aparências, nem pelos apelos à ‘guerra santa’ de alguns ‘cruzados’ de duvidosa e laica fé, nem pelos apaziguadores do complexo de culpa.

A guerra, a verdadeira guerra, é essencialmente no interior do Islão. Uma guerra que confronta os dois ramos tradicionais, os sunitas, dominantes e maioritários, e os xiitas, os eternos minoritários e perdedores, hoje dominantes em Estados-chave como o Irão, o Iraque e, em certa medida, na Síria.

O cerne da questão é político: uma identidade política a partir de uma identidade religiosa a que se mistura a geopolítica regional – do Médio Oriente e do Magrebe – e os interesses nacionais de vários países – da Arábia Saudita, do Egito, da Turquia, do Irão, do Iraque. Uma agenda de geometria variável complicada também por interesses de fora.

A guerra verdadeira e importante é essa. Os ataques no Ocidente – os de Nova Iorque, os de Londres, de Madrid e agora de Paris – têm por objetivo aterrorizar populações, opiniões públicas, opiniões publicadas e governos ocidentais para os levar a abandonar o Médio Oriente. Os governos ocidentais e a Rússia. As intervenções nos últimos 15 anos acrescentaram muita lenha e fogo aos combustíveis locais – no Iraque, na Síria, na Líbia. Mais a cruzada democrática do Afeganistão.

Os ataques de Paris – os mais mortíferos que a capital francesa sofreu desde a II Guerra Mundial – surgem como uma represália contra um país que tem estado na linha da frente da contenção ao jihadismo. Além da intervenção aeronaval no Oriente contra o Daesh e as suas posições, a França conteve a AQMI no norte de África e mantém alguns milhares de soldados na linha da frente.

É também um país onde tudo se complica, pelo número e exposição da comunidade muçulmana, pela força adquirida pelo nacionalismo identitário da Frente Nacional, pela tradição do secularismo e laicismo agressivos. E sendo Paris uma cidade-símbolo e uma cidade-mito do Ocidente e da tradição cultural ocidental, é sempre um alvo tentador para os bárbaros.

Estes ataques, sincronizados, mortíferos, no melhor estilo do terror pensado e dirigido em represália e dissuasão, mostram uma vontade e uma capacidade de escalada.

A resposta política e as declarações de repulsa e solidariedade do costume, foram complementadas por um aumento dos bombardeamentos dos franceses a alvos do Estado Islâmico, na cidade de Raqqa. O comunicado do Governo de Paris teve o cuidado de dizer que tinham morto mais de 130 pessoas (presume-se que sejam militantes do Daesh), exatamente o número das vítimas mortais de Paris. Esperemos que não seja uma questão de contabilidades comparadas.

 

P.S.: Morreu, no dia 4 de Novembro, René Girard, que foi um dos poucos pensadores que equacionou bem estas questões da religião e da violência política.