Centeno: a vertigem de saltar sem rede

Foi o ‘destino’, mais do que o percurso político, a determinar que Mário Centeno fosse o homem forte e o fator de equilíbrio de António Costa. A palavra destino com aspas, na verdade o professor de Economia doutorado em Harvard tem pouca propensão para questões metafísicas ou transcendentais – ao que se sabe Centeno não…

Quando o seu nome foi soletrado como coordenador do célebre programa económico do PS, alguns economistas morderam o isco que Costa preparou para ser mordido: o homem era um liberal, um contrassenso para um governo que pretendia demarcar-se do liberal Passos Coelho. Na teoria, Costa pensou bem – a partir dali poderia virar o discurso para a esquerda, Centeno assegurava-lhe tranquilidade ao centro.

Há 25 anos, nos corredores do ISEG, Mário Centeno começou a forjar um pensamento político. Aluno brilhante, influenciado academicamente pela professora Teresa Almeida e por Vítor Constâncio que lhe mostrou a relação muito estreita entre economia e a política económica. É a partir daí desses ensinamentos que Centeno vai forjando o seu pensamento académico e a vontade de um dia contribuir para o país. Ao contrário do que foi veiculado por alguns meios, Ferro Rodrigues nunca foi seu professor ou manteve com Centeno uma relação de proximidade – quem o apresenta a António Costa, quem tem esse crédito, é Fernando Medina. Conheceram-se quando o professor de Economia esteve na comissão do Livro Branco das Relações Laborais e o atual presidente da Câmara de Lisboa era secretário de Estado. Corria o ano de 2007 e nunca mais deixaram de falar, foi a ponte para o que lhe aconteceu quase uma década depois. 

Mário Centeno nunca pensou seriamente na hipótese de ser um político. As suas prioridades foram sempre outras. Pai de três rapazes (o mais velho com uma das melhores notas de entrada em Matemática Aplicada), fanático do Benfica, ávido leitor de romances, preocupado com a família direta e indireta (nos almoços alargados está atento a todas as conversas e preocupa-se com o curso da vida de todos) e com uma relação de grande cumplicidade com Margarida, sua mulher e única namorada que seriamente conheceu.

Foram colegas de turma, completaram a licenciatura ao mesmo tempo, ele com 16 valores de média, e fizeram planos sempre a contar um com o outro. Quando Centeno aceitou o desafio de se doutorar nos Estados Unidos, Margarida não hesitou em suspender a sua vida profissional para o acompanhar. Fê-lo certamente por amor, mas também pela constatação de que o talento e inteligência do marido não podiam ser travados por qualquer tipo de obrigações ou rotinas. Já se conhece a história, em Harvard a sua candidatura foi aceite com uma avaliação de 99 por cento, a que é dada aos génios – a partir daquele instante poderia ficar nos Estados Unidos para sempre, se o quisesse, as portas estariam abertas.

Completou o doutoramento, mas regressou a Portugal no ano de 2000 por uma soma de circunstâncias – filhos, saudades e proximidade da família, convite profissional para voltar ao Banco de Portugal com melhores condições, possibilidade de Margarida poder trabalhar numa empresa de transportes, talvez a necessidade de sofrer pelo Benfica. Mudou-se de bagagens para o Banco de Portugal onde no Departamento de Estudos Económicos, a pouco e pouco, foi subindo na hierarquia. Em 2004 era já diretor-adjunto, mas um colega do BdP jura que o caminho não foi ainda mais rápido por ser dono do seu nariz e ter a mania de dar opiniões, o que se paga caro na instituição. 

De um modo ou de outro, contava-lhe, regressou aos almoços de família, Margarida começou a trabalhar na CP, nasceram os seus segundo e terceiro filhos, voltou a poder estar com Luís Centeno, seu irmão mais velho, também economista e membro do Conselho de Finanças Públicas. Melhores discussões ainda quando se encontram à mesa, com as suas duas irmãs (Rita, psicóloga e Margarida, delegada de propaganda médica), filhos, sobrinhos e a mãe de 80 anos que continua a ter os mesmos cuidados com a família alargada que tinha quando veio para Lisboa nos anos 80.

Mário Centeno nasceu há 48 anos em Vila Real de Santo António, algarvio de gema. Nos tempos que correm não é currículo que um socialista possa apresentar de ânimo solto, afinal Boliqueime não fica assim tão longe. Segundo filho de uma funcionária dos CTT e de um bancário que lhe morreu muito cedo (em meados da década de 1980), foi sempre um orgulho para os pais que ofereceram aos quatro filhos a hipótese de deixarem uma marca no futuro. Não hesitaram em mudar-se para Lisboa quando o mais velho atingiu a idade universitária, Mário tinha 15 anos e por Lisboa foi ficando.

Sempre com as mesmas olheiras (verdadeira imagem de marca), sempre com vontade de inovar no discurso, sempre a tentar pensar o que antes não fora pensado. Essa é uma das suas motivações principais, a que o levou a aceitar o convite de António Costa, a ideia de poder contribuir para um país que considera maltratado e muito mal gerido por pessoas que, na sua generalidade, não são respeitáveis academicamente nem intelectualmente estimulantes. Combina na sua personalidade um paradoxo: é extraordinariamente simpático e, ao mesmo tempo, bastante arrogante na maneira como vê muitos dos que falam sem saber do que falam.  

Culturalmente de esquerda, adepto de uma economia virada para as pessoas, crítico da macroeconomia produzida em Excel e liberal no combate à ditadura dos impostos excessivos, Mário Centeno entrou no filme político diretamente pela porta principal. Dentro de seis meses, mesmo que Costa não seja empossado pelo Presidente da República, continuará decerto em cena. Veremos se está preparado para a crítica, para o confronto em corredores que não são académicos. Estará Mário preparado para a vertigem de saltar sem rede? Ou pelo contrário vai ter saudades dos tempos em que jogou râguebi federado, o tempo em que as placagens eram feitas por verdadeiros cavalheiros?

luis.osorio@sol.pt