O bebé tecnológico

Há cerca de uma semana o Papa Francisco exortou as famílias a aproveitarem as refeições para conversar, para partilhar «afetos, histórias, acontecimentos». E, considera o Sumo Pontífice, para que isso se verifique é condição necessária que não haja interferência tecnológica. Televisão, telefones inteligentes e outros aparelhos devem estar desligados.

A mensagem dirige-se aos pais, que tantas vezes dão o mau exemplo atendendo o telemóvel, colocando posts no Facebook ou conferindo o email entre duas garfadas. Mas os principais consumidores de tecnologia à mesa são sem dúvida os mais novos. As crianças de hoje deliram com tudo o que tenha um ecrã táctil e luminoso. E são exímias a manejar os ditos aparelhos.

Porquê esta propensão precoce, donde vem esta habilidade natural? Diria que vem do berço. Ou melhor, começa ainda um pouco antes, na barriga da mãe. Refiro-me às ecografias, que atingem hoje um alto grau de sofisticação. Temos ecografias em 3D, a cores e em alta definição. Podem até ser gravadas em DVD, permitindo que daqui a uns anos, quando estes fetos forem pessoas adultas, se orgulhem de ter a sua vida registada logo a partir do útero.

Mas é quando o bebé vem ao mundo que a tecnologia entra em força na sua vida. Para começar, através das fraldas – parece impossível mas é verdade. Se olharmos com atenção para as embalagens, veremos elementos gráficos ou referências que parecem deslocadas, como ‘absorção 3D’. Chegou a estar à venda um produto designado ‘iDodot’ (faz lembrar alguma coisa?). Por vezes, não percebemos se estamos no corredor de puericultura do Pingo Doce ou na secção de informática da Worten.

Poderia falar também do leite que proclama possuir uma ‘tecnologia proteica’ pioneira, dos carrinhos de bebé ultramodernos (e proporcionalmente dispendiosos), das complexas cadeirinhas para o automóvel ou dos telecomunicadores que debitam um som puríssimo (o que dá imenso jeito para o caso de querermos ouvir os berros da criança sem quaisquer interferências).

Fraldas 3D?! ‘Tecnologia proteica’?! Da alimentação ao vestuário, dos transportes à hora do sesta, passando pela higiene, os mais recentes avanços penetram todas as áreas da vida do bebé. Não admira pois que desde muito cedo as crianças dominem as tecnologias que nem gente grande. Isso representa uma oportunidade ou uma ameaça? As duas coisas. Pode trazer-lhes grandes vantagens para o futuro, é verdade – mas só se nós, os adultos, soubermos protege-las dos riscos que elas, na sua inocência, não veem.l

jose.c.saraiva@sol.pt