A caça no prato e de época é agora. Embora para algumas espécies de arribação o período seja um tanto maior, o essencial da caça que se destina ao nosso prato – desde as aves de arribação (como pombos e tordos) à sedentária (a mais apreciada, que inclui perdizes, galinholas, lebres ou coelhos), passando pela grossa (que por cá se resume a animais como os javalis, veados ou gamos) -, faz-se entre outubro e o fim do ano.

O calendário da atividade é anualmente fixado por portaria do Ministério da Agricultura, que deve ter em conta a preservação das espécies. E costuma haver uma primeira época, que abre no verão (habitualmente a 15 de agosto), para as rolas, podendo prolongar-se depois entre o início do novo ano e fevereiro ainda para aves também de arribação (como os tordos).

Antigamente, na chamada caça livre, ela só era permitida às quintas-feiras e domingos. Hoje, estando praticamente toda coutada, cada couto faz a sua própria. Claro que existe também a caça furtiva ou ilegal. Embora o caçador típico, interessado na manutenção das espécies (de facto em extinção), seja o primeiro a querer normas que visem a preservação. Tanto mais que há casos de raridade, de tal forma que os preços chegam aos pratos assustadoramente altos (caso das galinholas). E outras das mais apreciadas e usadas nas cozinhas nacionais, como as perdizes, estão tão dependentes da repovoação a partir de animais de criação que só muito excecionalmente se poderão considerar de facto selvagens. O faisão, por exemplo, parece ter deixado de aparecer em Portugal sem ser de criação. E o coelho bravo pereceu nalguma doença.

Mas para quem ainda puder chegar a uma galinhola estufada, a uma perdiz de escabeche ou com couve lombarda, a um arroz de pombo bravo, ou a uns tordos grelhados (ou aos bifes de javali ou de veado), cá estamos na altura devida. Claro que os congeladores fazem aguentar a caça em ótimas condições, atirada lá para dentro ainda com pele ou penas. E depois há sempre a de criação – afinal, uma deceção.

A perdiz à Convento de Alcântara (recheada de trufas e foie gras) não é espanhola, mas de Lisboa, e a receita vem publicada no site da Câmara Municipal. O grande gastrónomo Oliveira Bello (1872-1935), o mesmo que abriu a porta do Governo a Salazar, ao recusar a pasta das Finanças em 1926, afirmava-a o único prato português de alta gastronomia. E Auguste Escoffier, o novecentista rei dos cozinheiros, que acompanhou as tropas napoleónicas nas invasões de Portugal, dizia ser a perdiz à Convento de Alcântara o exclusivo resultado positivo das ditas campanhas.

Por outro lado, o excelente A.B. Kotter, cujas crónicas de Colares fizeram furor nos anos 80 no já desaparecido Semanário, contou que, segundo a sua sábia mãe, a perdiz à Serra Morena da Primavera do Jerónimo (bela tasca do Bairro Alto, onde o Jerónimo já não está há gerações) era a única contribuição portuguesa para a gastronomia universal.

Enfim, e porque me perco com perdiz, cá vai mais uma, de um caçador alentejano: “Não se faz canja com uma perdiz”. Pois não, dizem os cozinheiros serem precisas umas duas ou três.