Argentina, viragem à direita

A vitória tangencial de Mauricio Macri, com 51,5% dos votos e uma vantagem de cerca de 700.000 sufrágios populares sobre o adversário, o peronista-populista Daniel Scioli, é a primeira inversão de marcha de uma tendência esquerdizante no hemisfério sul-americano. Desde Dilma Rousseff no Brasil, Nicolás Maduro na Venezuela, Evo Morales na Bolívia e Michelle Bachelet…

As únicas exceções no subcontinente são a Colômbia e o Peru, onde há governos de centro-direita e centro moderado, e o Paraguai, onde Horacio Cartes, do Partido Nacional Republicano (os ‘Colorados’), foi eleito em 2013. Mas o Paraguai é um pequeno país, agrícola e interior, e o Brasil, o Chile e a Argentina são pesos pesados.

A história política da Argentina está ligada em termos ideológicos à história europeia, sobretudo na primeira metade do século XX. Já a partir de 1945, os fenómenos de radicalismo e luta armada à esquerda e as intervenções militares autoritárias e ditatoriais à direita tornaram-na diferente. E a Argentina foi pátria de um fenómeno singular na história ideológica das Américas: o peronismo.

À partida, o peronismo foi de tipo fascista – isto é, nacionalista, autoritário e popular, como o atestam as manifestações de admiração por Mussolini do próprio general Juan Domingo Péron e a concessão de refúgio a muitos dirigentes do Eixo, no pós-guerra. Só depois se foi tornando progressivamente um fenómeno de esquerda, assumindo várias máscaras e rostos do tipo populista: Hector Cámpora, Carlos Menem, o casal Kirchner, Néstor (de 2003 a 2007) e Cristina (de 2007 até agora). A alternativa ao peronismo foram os presidentes da Unión Civica Radical (UCR) ou então miltares saídos de golpes violentos.

A singularidade de Macri é que, não sendo peronista nem radical e muito menos militar, conseguiu juntar entre os seus apoiantes muitos peronistas e radicais. O seu programa é uma síntese de maior liberdade económica e conservadorismo social-cristão: quer Macri, quer a sua companheira de lista, a vice-presidente eleita Gabriela Michetti, são opositores do aborto livre e têm posições ortodoxas em matérias ditas ‘fraturantes’.

Os novos moradores da Casa Rosada parecem ter uma atitude de apoio à perseguida oposição venezuelana. Macri convidou Lilian Tintori, a mulher de Leopoldo López, o líder da oposição venezuelana posto na cadeia por Maduro, para estar junto dele na celebração da vitória e prometeu questionar as arbitrariedades autoritárias do Governo de Caracas na próxima reunião do Mercosul no Paraguai. Mas, num gesto carregado de simbolismo, presidiu nos últimos dias da campanha à inauguração de uma estátua de Perón em Buenos Aires…