Orgulhosamente sós?

Na semana passada, o futebol português foi abalado pelo anúncio do “maior negócio da história dos direitos televisivos” traduzido na cedência, por 400 milhões de euros, dos direitos dos jogos da S.L. Benfica SAD na Liga Portuguesa à operadora de telecomunicações NOS.  

O referido acordo entre a NOS e os “encarnados” será válido inicialmente por três temporadas, mas pode prolongar-se por uma década e engloba também a Benfica TV.

Até ao início desta época, recorde-se, os clubes das duas principais ligas da Península Ibérica eram os únicos, entre os campeonatos de futebol mais relevantes da Europa, que detinham os direitos de transmissão televisiva dos seus próprios jogos.

Todavia, na sequência da aprovação pelo Governo Espanhol do Real Decreto-Ley n.º 5/2015, de 30 de Abril, a liga espanhola aprovou, com o voto contra do Real Madrid, a obrigatória adaptação dos seus estatutos ao aludido Decreto-Lei que regula a venda centralizada dos direitos de televisivos das suas competições, colocando Portugal como um país praticamente isolado nesta matéria.

Como resultado dessa alteração recorde-se que foi recentemente anunciada em Espanha a venda, no mercado interno, dos direitos de transmissão das próximas três épocas dos jogos dos dois principais escalões competitivos e da Taça do Rei, pelo valor de 2,65 mil milhões de euros. Porém, os números alcançados por “nuestros hermanos” continuam, no entanto, a não conseguir rivalizar com os atingidos no mercado inglês.

Com efeito, em Inglaterra, onde os direitos televisivos dos clubes são negociados coletivamente desde 1992, a Premier League alcançou em fevereiro deste ano um valor recorde de 6,9 mil milhões de euros.

Esta diferença entre as restantes ligas europeias para os clubes da Premier League será ainda mais acentuada a partir da época 2016/2017, altura em que entra em vigor o novo contrato de cedência dos direitos de televisão segundo o qual o campeão inglês encaixará qualquer coisa como 205,5 milhões de euros, enquanto o último classificado do campeonato inglês auferirá “somente” cerca de 136,5 milhões de euros.

Ou seja, a média dos referidos 40 milhões de euros por temporada pela SL Benfica SAD é um bom negócio para o mercado interno, sendo certo que este é um valor que fica, ainda assim, muito longe das verbas praticadas nos principais campeonatos europeus que apostaram na centralização de direitos para exponenciar o seu valor comercial.

Nas principais ligas europeias, tais como em Inglaterra, Alemanha, França ou Itália, assim como nas competições da UEFA e da FIFA, procede-se à venda centralizada destes direitos de transmissão televisiva com o objetivo de se obter uma maior valorização comercial das competições e, por consequência, uma maior distribuição equitativa de receitas pelos participantes.

Parece que nestas competições de inequívoca relevância desportiva europeia e também mundial, por muito que se verifiquem interesses desportivos e/ou comerciais opostos, existe sempre uma forma do sistema de solidariedade competitiva dos clubes funcionar, prevalecendo o interesse geral em detrimento do interesse individual dos clubes participantes.

Assim, nesta matéria, a Liga Portuguesa é, cada vez mais, uma ilha isolada no meio deste “Oceano futebolístico europeu” pois será, doravante, a única entre as dez primeiras do ranking da UEFA a negociar as transmissões dos jogos de futebol de forma individual ou não coletiva. Isto traduzirá necessariamente um afastamento dos níveis financeiros e, obviamente, desportivos dos clubes das demais ligas de futebol congéneres, mas, sobretudo,um desfasamento competitivo crescente entre os clubes portugueses, já de si, atualmente, gritante.

Recorde-se o leitor que, neste verão, a nova Direção da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) liderada por Pedro Proença anunciou o seu total empenho na criação de condições para uma centralização dos direitos televisivos das partidas de futebol das competições por si organizadas.

Contudo, esta vaga intenção não passou disso mesmo, não tendo sido a LPFP capaz de reunir consensos entre todos os clubes que representa no sentido de lhes impor uma visão estratégica global, assente na necessária solidariedade desportiva e financeira de todos os clubes, sem prejuízo do interesse individual de cada um.

Sem dúvida alguma que, mais do que um bom negócio para a SL Benfica SAD e sobretudo para a NOS, este é um contrato que descredibiliza e fragiliza a atual LPFP, pois esta é a única entidade em Portugal que tem capacidade de definir para todos os pressupostos desportivos, financeiros e de distribuição dos direitos televisivos das competições profissionais que organiza, não tendo conseguido, em nenhum momento, assumir a posição de órgão representante máximo das SADs do futebol profissional, que a própria lei lhe confere.

 

Há quem desdramatize eventuais efeitos negativos que o acordo celebrado a SL Benfica SAD e a NOS possa originar para os restantes clubes portugueses, considerando que o mesmo até será positivo para o futebol nacional já que os valores envolvidos nesta negociação colocaram a fasquia mais alta para todos os demais clubes, que assim poderão, por arrasto, obter ganhos maiores.

Porém, também existe quem, em sentido oposto, considerando que este contrato se traduz na consolidação de uma Liga feita pelos “grandes” clubes e a sua menorização enquanto competição, pense que revelará um prejuízo brutal para os clubes mais pequenos, traduzindo-se num acréscimo do desequilíbrio que caracteriza a Liga nacional.

Por outro lado, existem vozes que defendem que o Governo deveria intervir nesta matéria, tal como aconteceu em Espanha onde foi imposta a venda coletiva dos direitos televisivos dos jogos de futebol através do já mencionado Decreto-Lei. É notório que os clubes que compõem a LPFP não se entendem relativamente a questões essenciais para o seu futuro e da respetiva modalidade e, perante a incapacidade dos seus órgãos representativos, têm de existir outras “entidades tuteladoras” do Desporto Rei que “disciplinem” certas matérias. Haja coragem e vontade política para isso.

A venda centralizada dos direitos televisivos foi o caminho seguido pelas principais ligas de futebol da Europa ao contrário do que vai suceder em Portugal, nos próximos anos, sendo de todo impossível no presente momento saber se a S.L. Benfica SAD auferiria um valor superior ao acordado com a NOS caso tivesse optado pela venda centralizada dos seus direitos televisivos.

Todavia, nesta matéria – assim como em muitas outras de maior relevância social e económica, em completo contraciclo – será que estamos orgulhosamente sós?

* Docente Direito do Desporto Universidade Lusíada de Lisboa e Advogado na MGRA Soc. Advogados