Sarah Helm: ‘Sobreviver era uma questão de sorte’

      

Em 'Se Isto É Uma Mulher' a jornalista Sarah Helm descreve os horrores de Ravensbrück, um campo de concentração nos arredores de Berlim apenas para mulheres.

Muito pouco se sabia sobre este campo, Ravensbrück, raramente referido. Como surgiu a ideia para a investigação e para o livro agora editado em Portugal pela Presença?

Nasceu do trabalho para o meu primeiro livro, A Life in Secrets, sobre uma mulher chamada Vera Atkins, uma oficial das Operações Especiais Britânicas que investigou o que aconteceu aos agentes secretos britânicos desaparecidos no final da guerra. Muitos dos que tinham desaparecido eram mulheres. Vera Atkins foi em busca delas nas cidades alemãs bombardeadas. Descobriu que muitas dessas mulheres britânicas tinham sido assassinadas em Ravensbrück. E depois investigou o que aconteceu neste campo de concentração feminino. E eu segui o seu rasto ao começar a trabalhar no meu próprio livro sobre o campo.

O que lhe interessou nesta parte da história?

Sempre me interessei pelos campos nazis e pelo seu funcionamento. Este foi o único campo construído apenas para mulheres e muita da sua história nunca tinha sido desvendada e analisada em profundidade. As histórias das prisioneiras e das resistentes da II Guerra Mundial foram negligenciadas e esta foi uma oportunidade de fazer com que as suas vozes fossem finalmente escutadas.

Por que quis Himmler criar este campo?

Criou-o no final dos anos 30, quando começou a juntar cada vez mais mulheres. De início, os nazis não punham mulheres nos campos de concentração. Mas os alemães prendiam milhares de mulheres sem-abrigo, prostitutas e pequenas criminosas. E o número de presas políticas na Alemanha também aumentava. Himmler precisava de um local para pôr as mulheres. Sabia que quando a guerra começasse ia haver cada vez mais mulheres presas também em países controlados pelas Alemanha. Então construiu Ravensbrück.

Quantas mulheres estiveram lá detidas?

Os números não são exatos mas estima-se que cerca de 130 mil mulheres passaram pelo campo. Dessas, calcula-se que tenham morrido entre 30 e 90 mil. Eu diria entre 40 e 50 mil.

Como era o campo? Poder-se-ia pensar que, sendo específico para mulheres, fosse menos violento, mas descreve-o como uma câmara dos horrores. Por não ser um campo de extermínio levavam-se a cabo as piores experiências?

De início era menos violento que outros campos mas as mulheres eram torturadas de diferentes formas – eram separadas dos filhos, obrigadas a abortar. Nos últimos anos as condições ficaram cada vez piores e o extermínio em massa foi levado a cabo com gás e execuções a tiro.

Descreve ‘experiências’ nas quais as mulheres são tratadas como ratos de laboratório…

As experiências médicas conduzidas nos ‘ratos polacos’ foi um dos piores episódios. Eram cortadas pernas para que os médicos nazis descobrissem curas para as feridas de guerra. Mas as sobreviventes demonstraram imensa coragem ao protestarem contra esta crueldade carniceira.

Que mulheres eram estas que ali foram presas?

No início foram levadas algumas mulheres judias para Ravensbrück mas a maior parte das prisioneiras judias foram enviadas diretamente para campos de extermínio. Ravensbrück era um campo para onde muitas prisioneiras não-judias eram enviadas – muitas delas pertenciam à resistência dos países invadidos pelos nazis, eram trabalhadoras escravas, prostitutas, sem-abrigo. Nos últimos anos foram abertas secções femininas em campos masculinos e a escolha do campo para onde as mulheres eram enviadas era já aleatório.

Por que é esta história tão pouco conhecida?

Alguns especialistas já escreveram sobre o tema e há memórias de prisioneiras. Mas grande parte desta história foi escondida durante décadas atrás da Cortina de Ferro. E a maioria destas mulheres recusou falar sobre estes horrores e muitos registos foram destruídos.

Acha que o facto de os historiadores serem, na sua maioria, homens, contribuiu para que este campo permanecesse no esquecimento?

Sim, essa é uma parte da questão. A história desse período tende a ignorar as histórias das mulheres levadas para os campos e pouco reparou no papel das mulheres na resistência e na guerra.

Começou a escrever este livro em 2007. E quis falar com sobreviventes, agora já muito velhas. Foi uma corrida contra o tempo?

Foi. Tive muita sorte de começar quando as últimas sobreviventes ainda estavam vivas e dispostas a falar. Claro que muitas das mulheres com quem falei eram muito jovens quando estiveram no campo.

E através das conversas que teve com estas mulheres encontrou alguma resposta à questão: como se sobrevive a isto?

A sobrevivência era apenas uma questão de sorte. Era uma questão de sorte ser enviada para uma zona relativamente boa ou para um grupo de trabalho relativamente bom. Era uma questão de sorte não se ser escolhida para ser gaseada. Ter boa saúde ajudava. Acreditar na possibilidade de sobrevivência também era importante tal como estar determinada a não desistir.

O que aconteceu aos filhos destas mulheres?

Nos primeiros tempos não havia crianças no campo mas mais tarde muitas mulheres chegavam com os seus filhos. Muitas dessas crianças morreram nos últimos meses. Centenas de bebés nasceram no campo e morreram rapidamente e centenas foram foram enviadas para o campo de concentração de Belsen para morrer. Um pequeno número de crianças sobreviveu – muitas delas eram judias e vivem agora em Israel.

Diz que este era um campo de morte lenta. Porquê?

Porque o processo de fome e de trabalho escravo e de espancamentos matava as pessoas ao longo do tempo. Mas tinha como intuito matar.

Durante quanto tempo se dedicou à escrita deste livro? Como foi viver durante esse período imersa neste horror?

Demorou-me cerca de cinco anos. Sim, foi difícil viver com o horror mas conheci sobreviventes maravilhosos cuja força foi uma inspiração e me ajudou a continuar.

rita.s.freire@sol.pt