Vardy, um canhão cheio de pólvora

Tinha 16 anos e uma paixão pelo futebol maior do que o próprio corpo quando arriscou prestar provas nas camadas jovens do Sheffield Wednesday. O problema é que a altura (cerca de 1,40m) não era proporcional ao talento e foi dispensado do clube do coração por ser muito pequeno.

Um mês depois sofreu um crescimento atípico e ganhou quase 20 centímetros – mas não chegou para aliviar a mágoa que Jamie Vardy sentia. Durante um ano não voltou a calçar as chuteiras ou a sentir o cheiro da relva. Pensou em desistir. Decidiu dedicar-se aos estudos por uns tempos e começou a trabalhar numa fábrica de próteses de fibra de carbono, no norte de Londres. Quando tinha tempo livre, ia dar uns toques com os amigos. Foi o suficiente para receber um convite do modesto Stocksbridge Park Steels, do oitavo escalão inglês.

Acordava às sete da manhã, trabalhava 12 horas por dia na fábrica e comia refeições rápidas nas estações de serviço da autoestrada para chegar a tempo dos treinos e jogos. As exibições justificaram o primeiro ordenado como futebolista aos 23 anos: 30 libras por semana (cerca de 41 euros).

Cinco anos depois, Vardy – ou ‘canhão’, como é conhecido, devido a um sentido de humor explosivo – continua a ter problemas com a altura (1,78m), mas compensa com golos, o que lhe valeu o salto para a Premier League. Aos 28 anos tornou-se a referência atacante no Leicester, a equipa-sensação do campeonato (líder destacado ao fim de 15 jornadas), e o momento de forma já lhe valeu a entrada no Guinness: 11 jogos consecutivos a marcar na Liga inglesa (Ruud Van Nistelrooy era dono do anterior recorde, com 10 golos em igual número de jogos).

Nem Alexis Sánchez, Aguero ou Rooney: é Vardy quem lidera a lista de artilheiros com 14 golos. O Euro-2016 está à porta e, 12 anos depois de ter sido dispensado pelo Sheffield, o sonho de alinhar em França com as cores da seleção inglesa (já leva quatro internacionalizações) parece mais vivo do que nunca. Quem diria…

Casar ou ir ao Europeu?

Como se não bastasse a dificuldade em conciliar os treinos do Stocksbridge Park Steels e o trabalho na fábrica, Vardy ainda arranjou problemas com a Justiça ao envolver-se em confrontos num pub. Tudo para defender uma pessoa com deficiência auditiva.

«Não estou orgulhoso do que fiz, mas estava apenas a defender uma pessoa, como o faria por um amigo», contou em junho ao Daily Mail. Teve de cumprir recolher obrigatório (18h30), faltou a muitos treinos e nos jogos fora tinha de ir para casa ao intervalo. 

Ainda assim, foi contratado em 2010 pelo Halifax, da sétima divisão. Um ano depois subiu ao quinto escalão, para o Fleetwood Twon (34 golos em 42 jogos), onde foi recrutado pelo Leicester (2012) por um valor impensável para um jogador amador: quase um milhão e meio de euros. Duas épocas depois viu o esforço (21 golos) ser recompensado com o título de campeão do Championship e a subida à Premier League.

Hoje, faz parte da lista de compras de Real Madrid, Chelsea e Manchester United. E a esperança de fazer parte das escolhas de Roy Hodgson no Europeu, em junho de 2016, já o levou a antecipar a data do casamento, marcado para a mesma altura. «A ‘patroa’ disse-me para mudar e eu concordei. Queríamos ter uma margem de segurança», contou Vardy recentemente ao Daily Mail.

hugo.alegre@sol.pt