Alberto Martins: ‘Espero que ninguém desista à esquerda nas presidenciais’

O antigo líder parlamentar de Seguro e atual membro da candidatura de Maria de Belém diz que António Costa “não tem handicaps” como primeiro-ministro. Sampaio da Nóvoa “radicalizou o discurso” e isso favorece Maria de Belém.

Durante as negociações à esquerda o senhor disse que apenas falaria sobre o acordo “em concreto”. O que lhe parece, então, o acordo em concreto?

Na altura disse também que o acordo teria toda a legitimidade. A direita tem feito bandeira da ideia de ilegitimidade e isso é inaceitável, porque as regras de formação do governo na democracia são as regras constitucionais. Só há uma legitimidade que é a constitucional. E o Presidente da República ao empossar o governo consagrou essa legitimidade.

E qual é a sua opinião sobre o acordo?

Os objetivos que iam ser prosseguidos pelo Governo estão em marcha. Outra questão é a tempestividade do acordo e a sua consistência. A isso só o tempo irá responder. Uma negociação deste tipo com um governo só do PS é uma negociação de risco.

PCP e BE deviam estar no Governo?

O ideal era a maioria absoluta, mas a realidade é esta. Conseguiu-se a maioria parlamentar para um objetivo muito adequado, acabar com a austeridade,  combater a desigualdade social e evitar o desmantelamento dos serviços públicos essenciais.

António Costa tem um handicap: não ganhou as eleições.

Ele tem a maioria de suporte parlamentar, não há handicaps. É uma política de risco, mas há um bem absoluto que já foi alcançado: ter-se acabado com as soluções de direita e a subalternização face à Europa. Isso é inestimável.

Pertencendo à ala esquerda do PS, esta aliança devia suscitar-lhe entusiasmo. Porque não vemos esse entusiasmo?

Ao fim destes anos de troika o país está mais pobre, endividado e mais desigual e tudo o que seja acabar com esta política é positivo. A circunstância de não haver maiorias absolutas fez a História e os atores políticos estiveram à sua altura.

Fala de António Costa?

Sim. De António Costa, do PCP, do BE.

Mas esta maioria cumpre o seu sonho de um governo de esquerda?

Corresponde a uma vontade muito forte de todos os socialistas de acabar com um sistema de rotativismo de que esteve ausente uma parte significativa da representação social.

O bloco central continua a ser necessário para eleger juízes do Tribunal Constitucional e outros cargos de nomeação política, que exigem dois terços do Parlamento. Como vai ser?

Isso exige um grande sentido de responsabilidade de todos os partidos e uma intervenção importante do Presidente da República.

O senhor foi apoiante de António José Seguro. Como se situa face a António Costa: com expectativa confiante ou reserva?

Estou de acordo com as decisões do meu partido. O passado faz parte de uma ideia de futuro, é assim na vida.

A oposição interna no PS está moribunda?

O segurismo acabou, o apoio a António José Seguro acabou, e as pessoas têm o seu trajeto e a sua biografia.

Francisco Assis pode ser a nova referência da oposição interna?   

Não vou entrar nas lutas internas do PS ou nas expectativas internas de poder no PS.  

Vamos falar de presidenciais. Maria de Belém vai ser prejudicada por António Costa ser primeiro-ministro?

Não. A Maria de Belém tomou posição clara, dizendo que o PR devia dar posse a um governo com maioria parlamentar. Maria de Belém é socialista, a sua candidatura é de centro-esquerda e tem todas as condições para ser bem-sucedida. É uma candidatura confiável de uma pessoa com um trajeto político consistente no Estado, na Administração Pública, no Parlamento, nas instituições de solidariedade social.

A candidatura de Maria de Belém nasce do setor segurista. Não fica conotada com um setor derrotado no PS?

Isso não corresponde à verdade. A candidatura nasce por vontade própria e um impulso forte de vários setores do PS. É uma candidatura que fala a diversos setores e é transversal na sociedade portuguesa. Maria de Belém é capaz de unir os portugueses e não vai assumir como Presidente competências que não lhe cabem. O PR não governa nem legisla, é um árbitro moderador, cumprindo e fazendo cumprir a Constituição. Ela é confiável, não responde aos humores ocasionais e não é hiperativa. Não é um cata-vento da política, e não nasceu agora para a política.

António Guterres vai aparecer a apoiar Maria de Belém?

[risos] Só respondo por mim. Peço desculpa, mas não estou em condições de responder à questão.

Fala com António José Seguro? Espera o apoio dele a Maria de Belém?

Tenho com ele uma relação cordial, mas não tenho falado ultimamente. Tenho um relação cordial com ele.

Espera o apoio de Seguro a Maria de Belém?

Não sei. É uma pergunta que tem de lhe ser dirigida.

Há outras figuras do PS que ainda não se pronunciaram. Espera que apoiem a sua candidata?

Maria de Belém vale por si e tem grande capacidade de responder ao eleitorado socialista, um núcleo de um milhão de eleitores. Maria de Belém sendo uma candidata institucional, pelos cargos políticos que desempenhou, é também uma candidata de causas, na saúde, na solidariedade social, nas questões civilizacionais, como a interrupção da gravidez. Ela responde a essas causas com a sua vivência, não com proclamações.

António Costa não parece ter problemas em ter Marcelo em Belém. Isto não prejudica a sua candidata?

O PS só pode defender um PR de esquerda. Marcelo é o herdeiro natural de Cavaco Silva e o representante de Passos Coelho e Paulo Portas. Espero que todos os candidatos à esquerda possam continuar a fazer o esforço de fixar eleitorados próprios para que a esquerda potencie todo o seu eleitorado. Espero que ninguém desista.

Tem receio que alguém desista e que Maria de Belém fique prejudicada?

Não. Estou convicto, isso não acontecerá, porque é bom para a esquerda que ninguém desista. Quem desistisse não estaria a servir a esquerda. Em Portugal, a esquerda é maioritária e tem todas as condições de ganhar. Mário Soares, por exemplo, ganhou na segunda volta, depois de o candidato da direita ter chegado aos 46% na primeira volta.

Maria de Belém não consegue votos nos partidos à esquerda. Tem desvantagem para Sampaio da Nóvoa, que vai buscar eleitores ao BE?

Não. Maria de Belém parte do eleitorado socialista e do centro-esquerda, mas irá buscar votos humanistas e democratas-cristãos.

Conta que vá buscar eleitores à direita?

Os outros candidatos estão muito fixados nos seus eleitorados partidários e Sampaio da Nóvoa radicalizou o seu discurso. Maria de Belém pode ir buscar votos ao centro-direita, num eleitorado preocupado com a pobreza e as desigualdades sociais. A coligação PSD e CDS afastou muitos sociais-democratas e democratas-cristãos, que dá espaço a uma candidatura de esquerda solidária e humanista.

Falou da importância da Europa. O que deve fazer o PS?

O PS deve ajudar a construir a Europa. Propor novas soluções de renegociação da dívida que acabe com a recessão e com a miséria, nova regulação dos mercados.

Quer colocar a renegociação da dívida em cima da mesa?

A renegociação da dívida está em cima da mesa. Quando se discute os juros, o tempo de pagamento, a intervenção do BCE, quer dizer que está em causa a renegociação da dívida. Precisamos de uma estratégia clara e partilhada, não podemos impor a renegociação como ato unilateral. E acho que precisamos de renegociação do Tratado da União Europeia. 

O PS tem alguma vantagem se o défice para 2015 não for atingido ou tem tudo a perder?

Todo os democratas e todos os portugueses só podem desejar que o défice seja alcançado, porque isso é melhor para o país. É um ponto de honra para os socialistas prosseguir o que é melhor para o interesse do país. Não tenho dúvidas de que o PS fará tudo o que puder para cumprir o défice.

manuel.a.magalhaes@sol.pt