Estados de Alma

1. Ai Weiwei. Últimas horas da aclamada exposição do artista chinês na Royal Academy of Arts em Londres. Duas horas e meia de espera sob um vento gelado. Como bom português deixei a visita para a última hora. Ai Weiwei é muitas coisas: um artista multifacetado e controverso, um ativista social e um opositor do…

Este reflexo é particularmente aparente na instalação que constitui, a meu ver, o ápice da exposição: chama-se ‘Straight’. Ai Weiwei adquiriu toneladas de ferragem retorcida, destroços do terramoto de Sichuan em 2008. A sua campanha contra a falta de transparência do Governo relativamente à perda de vidas nesta tragédia marcou o ponto alto da oposição que conduziu, mais tarde, à sua prisão. As toneladas de barras de ferro retorcido (milhares delas) foram endireitadas uma a uma – a imagem é, aqui, clara – e compostas numa instalação cujas barras de comprimentos variados sugerem ruturas, descontinuidades, começos e paragens. Mas tudo assente num chão base de barras íntegras e ininterruptas. Fascinante. Só isto mereceu a espera. 

2.Um mau começo. Tenho evitado comentar o Governo PS/BE/PC pois ainda é cedo. Mas, agora, tenho que fazer uma exceção. Há muito que penso que o Ministério da Educação e as suas políticas são o mais preciso barómetro do posicionamento político de um Governo, do seu empenhamento reformista e da sua disposição para defrontar os interesses instalados. Neste sentido, e não obstante muitos erros, Nuno Crato foi de uma coragem exemplar e, no balanço final, merece rasgados elogios. Temia, e escrevi-o aqui, que o verdadeiro ministro da Educação do Governo PS/BE/PC fosse Mário Nogueira. As primeiras medidas – suspensão exames do 4º ano e da avaliação dos professores – confirmam-no. 

3. Um mistério da China. Um op-ed de Patty Waldmeir no Financial Times deste dia 15 sobre a prisão e posterior libertação de Guo Guangchang deixou-me preocupado. Guo Guangchang é o presidente do conglomerado Fosun International, com sede em Xangai. A Fosun está presente em grande força em Portugal: primeiro comprou a Caixa Seguros (que inclui Fidelidade, Multicare e Cares) à Caixa Geral de Depósitos e depois adquiriu a Luz Saúde (antiga Espírito Santo Saúde), com várias clínicas e hospitais em Portugal, dos quais se destaca o Hospital da Luz, em Lisboa. Através da Fidelidade, a Fosun controla ainda 5,3% da REN – Redes Energéticas Nacionais. O ponto do artigo do FT é que, não obstante Guo Guangchang ser modesto e aparentemente virtuoso, a riqueza na China constitui um risco político. A mensagem é esta: «Não interessa o teu poder económico, não interessa não seres corrupto, não interessa seres bom cidadão: quem manda é o Governo». Uma chamada de atenção para que na China não há verdadeira iniciativa privada. 

4.O fim de uma era. Ao fim de sete anos de taxas próximas de zero, a Reserva Federal americana aumentou a sua taxa de juro, em resposta aos sinais de consolidação da recuperação da economia norte-americana. Este aumento, em si mesmo, terá muito pouco significado por dois motivos: é muito pequeno e era claramente antecipado e, portanto, já estava incorporado no calculo económico dos diferentes atores no mercado. Mas marca o fim de uma era: daqui em diante as taxas irão gradualmente subir. Quem se segue? Sem dúvida o Banco de Inglaterra, onde a economia está forte e onde as taxas costumam acompanhar as americanas. Na área euro, contudo, dificilmente se assistirá a uma inversão tão cedo. O que é bom para a economia continental pois o euro tenderá a depreciar face ao dólar e ao esterlino.