Debate: Tino de Rans e Marcelo já são BFF’s (Best Friends Forever)

Não foi um debate normal, o que juntou Marcelo Rebelo de Sousa, Vitorino Silva (Tino de Rans) e Jorge Sequeira. Desde logo o formato – um candidato “premium” (o favorito Marcelo) contra todos os candidatos inesperados que já não conseguiram entrar na grelha de frente-a-frente; passando pela hora tardia – início perto da meia-noite, na…

Debate: Tino de Rans e Marcelo já são BFF’s (Best Friends Forever)

E, não menos singular neste debate inédito na história das presidenciais foi a forma como Tino de Rans e Marcelo se sentaram tão fisicamente próximos e com uma familiaridade de trato própria de velhos amigos. De resto dir-se-ia, que o favorito a ganhar a entrada no Palácio de Belém à primeira volta e o protagonista de um momento cómico num congresso do PS do tempo de António Guterres se tornaram, como diria Paulo Portas, o BFF (Best Friend Forever) um do outro.

Desde o início que o registo de conversa foi informal. Tino tentou adivinhar a altura de Marcelo errando por um centímetro – “Agora já não tenho 1,78, tenho 1,77”, respondeu, divertido, Marcelo, que logo depois chamaria a Tino um “calceteiro de excelência”.

A troca de elogios continuou. Falava-se da importância do povo, Tino puxou pelas suas raízes, e o professor, que colocava ao mesmo nível “a cultura livresca e a cultura popular”, rematava com a ideia do povo protagonista da História, exemplificando: “quem fez as catedrais foram os pedreiros”.

Do outro lado, Jorge Sequeira equilibrava o protagonismo da dupla Tino-Marcelo com uma sucessão de slogans. O especialista em discursos motivacionais disse “eu sou a pessoa mais importante deste país”, “a arte não deve ser popular, o povo é que deve ser artístico”, “as urnas são uma romagem para um funeral” (sobre a abstenção), “temos de transformar os cidadãos em clientes” e “eu gostava de ser o auditor do cidadão” – numa alegoria do mundo empresarial, que o inspira, aplicada à função de Presidente da República.

O professor Sequeira, de excêntricos óculos redondos roxos e sorriso sonhador, citou Oscar Wilde e Luther King e afirmou “eu não estou aqui para jogar às damas”. Era um trocadilho sobre o tema das primeiras-damas, que Tino trouxe a debate, falando do orgulho na sua mulher, que será “a primeira e a última dama”, se ele chegar a Belém.

Marcelo, que não terá uma companheira institucional como PR, justificou a sua opção com a sua perspetiva dos órgãos de poder republicanos não se deverem misturar com a família.

Tino tem uma visão: ele, que se tornou candidato “para dar alegria ao povo”, e Marcelo a disputar a segunda volta. Ambos são populares, “o perfil dele é parecido com o meu”, diz Tino. O calceteiro-autarca (foi presidente da junta de freguesia de Rans, em Penafiel) fez ainda revelações sobre a sua vida política. Já não é do PS, saiu desencantado do congresso do Coliseu (“riram-se de mim”) e quis tempo para ver crescer a filha.

Tó Zé Seguro, o cavalo errado

Ainda assim, revelou que António José Seguro o procurou nas recentes primárias do PS, para o ter do seu lado. Seguro disse-lhe: “Tino, precisava de tomar um café contigo”. Tino contou que ouviu os seus conselheiros (“sim, tenho os meus conselheiros”) que foram pouco lisonjeiros com Seguro e lhe disseram “Tino, não apoies o cavalo errado”. Mas o homem de Rans foi ao encontro do então secretário-geral do PS. “Tó Zé, eu só estou aqui porque tu és o cavalo errado”.

Num debate sui generis, o moderador Paulo Magalhães esforçou-se por cumprir os cânones de uma eleição presidencial. É preciso mudar a Constituição? Não, concordaram os três concorrentes. A Constituição é “o bode expiatório” de maus governantes.

Se faltar o apoio do PCP e BE a António Costa deve demitir-se o Governo? Tino hesitou numa tentação populista, justificando que o “povo avulso, o povo livre não gostou deste processo” (um primeiro-ministro que não venceu eleições) e por isso queria “eleições amanhã”. Mas o candidato acrescentou que “deixava o Costa brilhar”. Marcelo, orgulhoso de Tino, registou “com agrado” a vitória da estabilidade, num tempo que “não é para crises”.

Marcelo e os cenários “do foro interno”

Marcelo tem evitado comprometer-se com respostas a questões de política concreta e não mudou de estratégia. Afinal, cenários “são para comentadores, eu sou candidato”. Paulo Magalhães insistiu na pergunta se ele demitiria Costa, caso falhasse o acordo com os comunistas e bloquistas, e Marcelo explicou melhor porque não respondia: “o candidato presidencial não tem de fazer cenários”, tem de “os antecipar no seu foro interno”. Antecipar cenários negativos de dissolução é que não.

Com a conversa a versar temas históricos, surgiu uma pergunta sobre Olivença. Marcelo Rebelo de Sousa disse que os amigos de Olivença (associação de portugueses que defendem a entrega a Portugal do território que passou a ser espanhol) são seus amigos. Mas “não seria sensato” abrir uma “questão diplomática com Espanha” sobre o tema. E ele não o fará.

No final, Tino de Rans foi questionado sobre o seu sonho. O candidato invocou o antigo bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, que lhe disse “a tua candidatura vem de dentro da alma” e divulgou o sonho: “continuar a respirar o ar que procuro”. Também revelou que “devolverá o palácio de Belém ao povo”, quanto a ele próprio viverá em “presidência aberta” quando não estiver em Rans.

Jorge Sequeira, num registo menos lírico e mais de livro de autoajuda, garantiu ser “o homem certo para um lugar incerto” e pediu: “não deixem que pessoas pequenas matem sonhos grandes”. Marcelo sorriu.

manuel.a.magalhaes@sol.pt