Bem-vinda seja esta lei porque protege o piropo

Mesmo sob ameaça de prisão, não deixo de ficar espantado de cada vez que me é dado constatar que as flores andam”.

“‘És boa como o milho!’ será piropo ou equivale a ‘hoje faz Sol’?”

“Lá vão uns trolhas com a 4.ª classe e uns entregadores de pizas da linha de Sintra para a cadeia porque uma estudante de Sociologia da classe média alta se sentiu incomodada com bocas foleiras”.

“As mulheres têm liberdade de vestirem o que quiserem, publicitando assim, e talvez até enganosamente, a sua disponibilidade e vontade sexual. No entanto, o trolha das obras comenta e é preso?”

“Ainda hoje de manhã, uma colega disse-me que estava muito giro. Posso apresentar queixa na Polícia?”

“Adeus liberdade de expressão. Só falta criar uma polícia especial”.

“Onde começa o simples piropo e o assédio sexual? É tudo relativo”.

“É óbvio que é de louvar que alarves ou ‘alarvas’ sejam punidos por intimidarem crianças. Quanto aos mais boçais, mas inofensivos fisicamente, devem ser presos por mandarem umas ordinarices? Não haveria cadeias para tanta palermice”.

Estas citações foram retiradas de crónicas de articulistas e de comentários de leitores em sites de jornais. E são uma amostra das reações à flor da pele perante a revelação, feita pelo DN desta segunda-feira, de que em agosto, sem que ninguém se apercebesse (exceto algumas feministas intransigentes que ficaram caladas porque não era esta a formulação que queriam), a maioria PSD-CDS aprovou, entre um conjunto de alterações ao Código Penal, um acrescento ao artigo 170.º para penalizar a forma como são lançados os famosos e, muitas vezes, obscenos piropos.

Reza agora assim o artigo 170.º, intitulado Importunação Sexual (com a expressão acrescentada aqui devidamente ressaltada): “Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de caráter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”. A pena pode ir até três anos se a vítima for menor de 14.

Ora, segundo qualquer bom dicionário de Português, o piropo é um elogio dos atributos físicos de alguém. Tendo em conta a formulação equilibrada encontrada na nova lei, não se compreendem as dúvidas e as reações inflamadas. Pelo contrário, têm aí a melhor proteção que podia ser dada ao piropo e a quem tem o direito de continuar a expressar o seu espanto por ver uma flor a andar – é uma questão de gosto. Já os comentários de caráter exibicionista ou de teor sexual e em tom intimidatório dirigidos a um homem ou a uma mulher, rapaz ou rapariga, todos sabemos quais são – e são estes que passaram a estar, e muito bem, sob alçada da lei. Habituem-se.

paula.azevedo@sol.pt