A origem das desigualdades

Durante grande parte do século XX o capitalismo industrial transferiu a maioria do proletariado dos países desenvolvidos para a classe média. Foi um fator de democratização económica e social.

Mas desde há meio século as desigualdades aumentam no interior da maioria dos países. Porém, discute-se quais os motivos dessa desigualdade crescente, que concentra rendimentos e riqueza num escasso número de super-ricos – 1% da população dos Estados Unidos.

A primeira explicação foi a globalização. Os baixíssimos salários dos países pobres travavam os salários nos países desenvolvidos. E a deslocalização de muitas empresas para zonas de mão-de-obra barata aumentava o desemprego no mundo rico.

Mas cedo se percebeu que a estagnação salarial nos países ricos só em medida limitada tinha a ver com os salários dos países pobres. Estes concorriam diretamente apenas com os salários dos trabalhadores menos qualificados dos países ricos. Decerto, em Portugal esse fator pesou mais, porque a maioria das nossas empresas industriais, no setor têxtil nomeadamente, assentou a sua competitividade nos baixos salários durante demasiado tempo.

Procuraram-se, então, outras explicações para o acentuar das desigualdades, sobretudo nos EUA. Paul Krugman analisa algumas dessas explicações numa recensão a um livro de Robert Reich, na New York Review of Books de 17 de Dezembro.

Krugman lembra a teoria da formação tecnológica, defendida por Robert Reich num seu anterior livro, de 1991 (e que eu próprio segui). Nessa altura, os salários dos americanos com formação universitária subiam mais rapidamente do que os salários dos que não possuíam tal qualificação. Quem tinha conhecimentos para lidar com as novas tecnologias ganhava mais do que os outros, os excluídos da informática. A solução seria, então, estender ao maior número possível de pessoas essa capacidade técnica, através do ensino e da formação profissional ao longo da vida.

Mas no final do séc. XX, nos EUA os salários dos licenciados, bem como os de trabalhadores da classe média em geral, pararam de aumentar. Enquanto os vencimentos dos incluídos no tal 1% continuaram a subir, ainda que por vezes se tratasse de pessoas sem grandes qualificações académicas (como gestores de fundos de risco).

A tese do novo livro de Robert Reich, apoiada por Krugman, é que a questão não está na tecnologia, mas no poder. Desde logo no poder de influenciar o mercado nos EUA, ditando preços em vez de os aceitar – poder monopolista ou perto disso. Com um ineficaz enquadramento estatal do mercado, falta concorrência. O que tem a ver com leis e políticas públicas, que os super-ricos influenciam, por exemplo financiando campanhas de políticos e através de um intenso lobbying no Congresso.

Krugman refere leis laborais, de desregulação bancária, de limitação de poderes sindicais, etc. Curiosamente não fala no mais óbvio: as leis fiscais. O New York Times destacava na quarta-feira um artigo sobre como os super-ricos escapam aos impostos. E apesar de muitos milionários apelarem publicamente a pagarem mais impostos, por razões ideológicas o Partido Republicano recusa subir a tributação dos mais ricos.

Estas posições de Robert Reich e Paul Krugman são contributos para o debate sobre a origem das desigualdades do último meio século. Mas a discussão irá continuar.