Marcelo/Belém: Um debate no divã que acabou no insulto

   

Qual dos dois é o mais “intriguista”? Qual o mais “mentiroso”? Qual o mais “malicioso”? Parece insólito, mas foi este o centro do debate entre dois dos principais candidatos à Presidência da República. Num frente-a-frente em que Maria de Belém se limitou a recorrer às contradições expostas ontem por Sampaio da Nóvoa, Marcelo Rebelo de Sousa voltou a mostrar-se agressivo e não se escusou a atacar aquela que tinha começado por dizer não ser sua adversária.

Marcelo ainda ensaiou um início diferente, puxando pelo consenso europeu que o une a Maria de Belém. “Eu não tenho adversários. Os meus adversários são os problemas dos portugueses”, começou por dizer, num tom que dava a sensação de querer corrigir o tiro da agressividade usada face a Nóvoa.

Mas foi sol de pouca dura. Bastou Maria de Belém reafirmar que o vê como adversário – "em democracia há adversários, não há é inimigos" – para Rebelo de Sousa passar diretamente para o plano pessoal, um tema do qual raramente se afastou a discussão, mesmo quando as questões levantadas pelo jornalista João Adelino Faria foram mais políticas. Não havia nada a fazer, toda a divergência se centrou no caráter dos dois candidatos.

“Maria de Belém mostrou um lado de psicóloga que não lhe conhecia”, lançou Marcelo que haveria de ver o mimo retribuído mais tarde quando fez apreciações sobre a personalidade de Maria de Belém e o seu lado mais “intriguista”. “Gostei do diagnóstico”, haveria de responder, irónica, a socialista que em entrevistas anteriores tinha descrito o seu opositor como “intriguista” e “hiperativo” e lançado a questão do número reduzido de horas que o professor dorme por noite.

Quantas horas é preciso dormir para ser Presidente?

“Quantas horas tem de dormir alguém para poder ser Presidente”, questionou Rebelo de Sousa, que se quis apresentar como uma vítima dos “diagnósticos” de Maria de Belém que, como contou, terão até chocado os pais de algumas crianças hiperativas, que ficaram descontentes com o facto de a doença dos filhos ter servido de arma de arremesso político.

“Eu fiquei logo caracterizado como doente metal”, queixou-se, explicando que esteve ainda hoje numa instituição que apoia crianças hiperativas e chegou à conclusão de que não encaixa nos sintomas. “Falta de concentração, não é o meu caso, falta de aproveitamento escolar, não é o meu caso, falta de auto-estima, não é felizmente o meu caso”, desmontou o professor, que chegou ao ponto de argumentar que a sua alegada “hiperatividade” teria sido responsável pelos acordos que fez com Guterres e que permitiram ao seu Governo minoritário durar.

“Foi por isso que conseguiu ser ministra da Saúde, ser ministra da Igualdade…”, concluiu o antigo comentador, para indignação da adversária. “Parece que tenho de estar agradecida”, contrapôs, expondo as “contrapartidas” que o PSD de Marcelo terá recebido por esses acordos e da qual deu o exemplo da revisão constitucional. Uma tese recusada por Rebelo de Sousa, que garante que os dois últimos Orçamentos de Guterres foram viabilizados já depois de votada e aprovada a revisão da lei fundamental.

As imprecisões de Belém

Maria de Belém resolveu não recuar em nada do que disse e fez questão de sublinhar que se limitou a “reproduzir” o que outros mais próximos de Marcelo ou o próprio diziam de si. Mais: juntou-lhe o argumento da “pretensa superioridade moral” do candidato de direita que, minutos antes, tinha ridicularizado as suas “notinhas”.

“Trago as minhas notinhas, porque gosto de me documentar”, retorquiu a ex-ministra, que acabou por reeditar apenas as incongruências que já tinham sido apontadas a Marcelo ontem por Nóvoa.

Maria de Belém acabou, contudo, por se baralhar com as datas e cronologias, acusando Marcelo de ter chamado “lelé da cuca” a Balsemão quando fazia parte do seu Governo, quando na realidade isso aconteceu antes, quando estava à frente do Expresso. Belém disse que essa tinha sido a gota de água que destrui a confiança do ex-primeiro-ministro em Rebelo de Sousa, mas na realidade essa rutura só foi definitiva depois da passagem de Marcelo como ministro no Governo de Balsemão. As imprecisões foram exploradas pelo professor que já tinha acusado a antiga ministra da Saúde de ser “maliciosa”.

“Se há pessoa maliciosa, vou ali e já venho”, respondeu Maria de Belém, que até usou Shakespear para atacar o adversário. “Consigo não é ser ou não ser é ser e não ser”, atirou.

“Mente, mente sistematicamente”, havia de responder Marcelo, numa troca constante de insultos de parte a parte que deixou pouca margem para a discussão de ideias de dois candidatos que estão a jogar o mesmo eleitorado, o do centro.

Maria de Belém definiu-se, aliás, como “socialista da social-democracia europeia”, mas criticou Marcelo por falar em “dois países” criados pela crise política que levou à indigitação de Costa. “Quando o Governo é de direita, o país está em paz. Quando o Governo é de esquerda, o país está dividido”, lançou a socialista, numa acusação repudiada por Marcelo que diz querer unir um país que está “socialmente deslassado” e que acabou por culpar a “crise” e “algumas medidas” do Governo Passos/Portas.

margarida.davim@sol.pt