Pierre Boulez: O maestro sem batuta

   

Nasceu a 26 de março de 1925, em Montbrison, no Loire, França. Aos seis anos começou a estudar na escola católica local, e ali passou os seguintes dez anos da sua vida, treze horas por dia. Foi lá que, ao ser obrigado a rezar diariamente, diz ter descoberto que “o Deus católico foi o Deus que falhou”. O colégio pode ter sido o degrau para virar costas à religião, mas serviu-lhe para descobrir a importância da disciplina.

Foi ainda durante a infância que Pierre Boulez começou a ter aulas de piano, demonstrando um talento nato desde cedo. O seu outro talento era a matemática, que acabou por ser a área que estudou inicialmente, para agrado do pai, engenheiro.

No entanto, o amor à música acabou por falar mais alto e Boulez ingressou no Conservatório de Paris. Foi aí que, sob o ensino dos mestres Olivier Messiaen e Andrée Vaurabourg, ganhou todas as bases da música clássica. Com René Leibowitz aprenderia as bases do dodecafonismo.

Em 1948, após o fim da II Guerra, chegou à direção musical da Companhia Reanud-Barrault, no Teatro Marigny, em Paris. Assumindo-se desde logo como um homem na primeira linha da experimentação, recusando qualquer caráter estanque associado à erudição musical.

Não só por esta abordagem à música, mas também pelo seu posicionamento na vida – que, por exemplo, o levou a incompatibilizar-se, nos anos 60, com o então ministro da Cultura, André Malraux, tendo trocado a França pela Alemanha – foi apelidado de intransigente e enfant terrible.

Mas a verdade é que nunca teve medo da polémica, como disse, em 2003, ao Diário de Notícias: “A polémica não pretende matar ninguém, mas sim animar”.

As pazes com a França, de resto, só viriam a ser feitas dez anos mais tarde, em 1976, quando o Presidente Georges Pompidou o convidou para criar o Instituto de Pesquisa e Coordenação de Música e Acústica. Na mesma altura, criou, na Cité de la Musique, o Ensemble Intercontemporain, o primeiro coletivo dedicado à música contemporânea financiado pelo Estado francês, tendo estado também envolvido na criação da Ópera da Bastilha, em Paris, e, já nos últimos anos de vida, da casa da Filarmónica de Paris.

O maestro que nunca usava batuta, pois via nos dedos as suas dez batutas, dirigiu a Orquestra de Cleveland (1967-1972), a Orquestra Sinfónica da BBC (1971-1975) e a Orquestra Filarmónica de Nova Iorque (1971-1977). Interpretou obras de Béla Bartók, Alban Berg, Anton Bruckner, Claude Debussy, Gustav Mahler, Maurice Ravel, Arnold Schoen- berg, Ígor Stravinsky, Edgard Varèse, Richard Wagner e Anton Webern, entre outros. Mas lamentou sempre nunca ter dirigido “uma peça de Verdi dos últimos anos”.

Apesar do vastíssimo currículo como maestro, o autor de Pli Selon Pli (Portrait de Mallarmé) e Répons nunca soube ser apenas uma coisa. Teve, por isso, uma profícua carreira como compositor – tendo recebido 26 prémios Grammy -, mas também como impulsionador do universo da música clássica nas mais variadas vertentes, tendo assinado ainda inúmeras obras teóricas.

Tinha com Portugal uma relação de enorme proximidade, sobretudo com a fundação Calouste Gulbenkian, onde esteve cinco vezes com o seu Ensemble Intercontemporain. Na sua morte, o serviço de música da Gulbenkian sublinha uma vida “dedicada à difusão da música contemporânea, à evolução do seu público e da criação”.

Mas foram várias as suas presenças no nosso país, além das associadas à Gulbenkian. Em 2001, juntamente com a Orquestra de Paris, dirigiu o concerto inaugural do Ciclo Grandes Orquestras da Capital Europeia da Cultura. No mesmo ano, recebeu das mãos do Presidente da República Jorge Sampaio a Grã-Cruz da Ordem de Santiago. Em 2003, foi o maestro convidado da 13.ª edição dos Concertos Europa, nos Jerónimos, onde dirigiu a Orquestra Filarmónica de Berlim e a pianista Maria João Pires, que interpretaram composições de Maurice Ravel, Mozart e Béla Bartók.

Em 2012, era esperado para mais uma visita a Portugal, onde iria inaugurar o Ano França, no qual era o artista homenageado pela Casa da Música. Mas foi atraiçoado pela doença e perdeu a visão, tendo deixado nessa altura de criar.

Pierre Boulez morreu na terça-feira, dia 5, em Baden-Baden, na Alemanha, onde vivia atualmente. A sua morte foi anunciada pela família, através de um comunicado emitido pela Filarmónica de Paris: “Para todos aqueles que lhe foram próximos e que puderam apreciar a sua energia criativa, a sua exigência artística, a sua disponibilidade e generosidade, a sua presença permanecerá viva e intensa”. Tinha 90 anos.