Operação Marquês cruza-se com investigação a Salgado

Terreno de Benguela – que está no centro do negócio que Carlos Silva  diz ter sido lucrativo – faz parte de um grupo de cinco transações suspeitas do Grupo Espírito Santo em Angola. Autoridades desconfiam que Ricardo Salgado mascarava as contas em Portugal através de vendas fictícias em Angola.

Os terrenos de Benguela em que a família de José Sócrates está envolvida e que estão em causa na Operação Marquês têm uma ligação direta com outro caso de Justiça: o colapso do BES. Depois de ter sido vendido à Escom, uma empresa do Grupo Espírito Santo (GES) e de Hélder Bataglia, para fazer o Condomínio da Bela Vista, a propriedade integrou um grupo de cinco projetos imobiliários que, segundo o Ministério Público, serviram para mascarar as contas do grupo de Ricardo Salgado.

A investigação ao caso Sócrates encontrou naqueles terrenos uma pista que pode configurar fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capitais, devido a vendas fictícias que mascararam as contas da Escom e, por arrasto, do GES em Portugal.

A Escom sempre foi um ativo problemático para as contas do grupo de Salgado. Em 2013, a supervisão do Banco de Portugal acentuou-se por pressão do Banco Central Europeu e os riscos dos principais créditos foram analisados à lupa. O negócio da Escom, com financiamento do BES Angola (BESA), era um deles.

Empréstimos não foram pagos

Tal como o SOL revelou há um ano, o grupo de Salgado entrou num processo de ocultação de passivos através de operações de venda fictícias. Em apenas um dia, a 28 de junho de 2013, fez com que a dívida da Escom fosse transferida para cinco empresas desconhecidas e sem qualquer atividade operacional. Uma destas sociedades-veículo era a Enignimob, que comprou aos Pinto de Sousa os terrenos e o projeto em Benguela.

Este esquema envolvia o BESA, na altura dirigido por Rui Guerra. A instituição concedeu crédito às cinco empresas, num total de mais de 500 milhões de dólares, sem registo de qualquer garantia dada para a obtenção desses empréstimos. Com esses financiamentos, as referidas empresas adquiriram ativos à Escom – sociedades, projetos imobiliários e terrenos – por valores empolados, acima do preço real de mercado.

Com o encaixe obtido, a Escom (pertencente ao GES) pagou a dívida que tinha ao BESA. Graças a este expediente, a exposição do GES à Escom diminuia, mas só na aparência: a reponsabilidade do financiamento ficava à mesma no BES. Os empréstimos às cinco empresas desconhecidas eram aprovados sem qualquer avaliação fidedigna dos projetos imobiliários, que no terreno ainda não existiam.

Rui Guerra foi inquirido a este propósito em em abril de 2015. Admitiu que o financiamento foi feito com um período de carência e que ainda não tinha havido qualquer tipo de reembolso. O gestor duvidou até se alguma vez haverá reembolso desses empréstimos e que mais-valias podem ter gerado essas operações para o GES.

Controller do GES deu ordem para agilizar operação

Agora, com base na documentação entretanto conseguida, as autoridades judiciais acreditam que estas alegadas vendas serviram mesmo para mascarar as contas do grupo, até porque vários processos da transação foram conduzidos por homens da confiança de Salgado.

A investigação tem elementos que mostram que a operação foi montada pela estrutura do GES em Lisboa, segundo instruções do acionista maioritário. José Castella, antigo controller financeiro do GES, deu indicações através de e-mail para agilizar as operações.

Além disso, a equipa da Autoridade Tributária que coadjuva o inquérito conduzido pelo procurador Rosário Teixeira vê indícios fortes de que as cinco sociedades-veículo eram todas controladas pelo GES.

Não só tinham todas a mesma morada – uma sociedade de advogados na rua dos Enganos, em Luanda – como as questões de âmbito operacional relacionadas com estas empresas eram tratadas pessoalmente por Lourenço Lobo, contabilista da Rioforte e do GES e figura próxima de Salgado. Os pagamentos de serviços de contabilidade e de autoria destas cinco empresas eram solicitadas ao GES, por comunicações enviadas a Lobo.

Salgado é quem sabe, disse Horta e Costa

Ao que o SOL apurou, Luís Horta e Costa, um dos administradores da Escom, terá mesmo confidenciado a terceiros que a resposta sobre quem eram os reais beneficiários das cinco sociedades-veículo teria de ser dada por Ricardo Salgado.

Outros intervenientes detetados nestas operações foram Carlos Calvário, um dos diretores do GES, e Machado da Cruz, o já célere contabilista do grupo no Luxemburgo. Nessas conversas, Horta e Costa indicou ainda que Lobo, Castella e Machado da Cruz eram presenças regulares em Angola e que a compra de ativos imobiliários em Angola pelo grupo de Salgado serviria para consolidar contas na Espírito Santo International – e assim tapar o ‘buraco’ de 1,2 mil milhões aí encontrado pela auditoria do Banco de Portugal.

joao.madeira@sol.pt