A tecnologia ao serviço do futebol – Ventos de mudança

Como se sabe, a International Football Association Board (IFAB) é o órgão que regulamenta as regras do futebol a nível mundial.

Na passada semana, na sequência de mais uma reunião deste órgão veio a público a recomendação, a título experimental, da introdução de tecnologia vídeo, como apoio ao trabalho dos árbitros de futebol, tal como há muito preconizado e discutido, por diversas entidades e figuras públicas da modalidade.

Trata-se sem dúvida alguma de uma proposta revolucionária, uma vez que o mundo do futebol dá um passo decisivo para introduzir o sistema vídeo e replay, para auxiliar a arbitragem do decorrer das partidas, visando assim reduzir a margem de erro e credibilizar a modalidade.

Todavia, e com a cautela necessária, a (IFAB) recomendou vivamente ensaios preliminares sobre a introdução de tecnologia vídeo como apoio ao trabalho dos árbitros, decisão essa que, poderá ser ratificada formalmente na próxima reunião desta entidade, a realizar em Cardiff no País de Gales, entre os dias 04 a 06 de Março do presente ano.

De acordo com o comunicado emitido pela IFAB: "Os protocolos para tais ensaios foram analisados e serão concretizados antes da reunião geral anual em Cardiff, o que abrirá o caminho para a realização de ensaios ao vivo assim que os prazos e o respetivo enquadramento sejam confirmados", no qual também é feita referência ao interesse de várias federações e outros organismos que gerem o futebol em aplicar esses ensaios com alguma brevidade.

O director-executivo da Federação galesa de futebol, Jonathan Ford, que presidiu à mencionada reunião, afirmou entusiasticamente que, os ensaios poderiam começar na próxima temporada, embora sejam necessárias duas temporadas "no mínimo" para que os mesmos possam estar concluídos.

Entretanto, a IFAB fez saber que, os detalhes precisos sobre a forma como os ensaios serão realizados ainda não tinha sido definidos, até porque é necessário estabelecer a distinção entre aquilo que consiste o apoio de vídeo ao trabalho dos árbitros, e as repetições dos lances através de vídeo.

Registe-se que um dia depois da referida reunião da IFAB, a Federação Holandesa de Futebol (KNVB) anunciou que vai permitir que os árbitros recorram à ajuda de imagens em vídeo para decidirem lances considerados chave na Taça da Holanda em futebol da próxima época.

Nos testes experimentais deste país, os árbitros poderão recorrer ao auxílio da tecnologia vídeo para decidir sobre casos que envolvam golos, expulsões e grandes penalidades. O sistema também poderá alertar os juízes para irregularidades que não tenham detetado, mas as equipas não poderão pedir a intervenção do sistema, à semelhança do que acontece em outras modalidades, como o ténis.

E é aqui que reside o cerne da questão, uma vez que, deverá ser obrigatoriamente esclarecida em termos regulamentares, com algum detalhe e critérios rigorosos, o recurso e alcance da referida novidade tecnológica e a profundidade da alteração das regras da modalidade, que se pretende implementar.

"As repetições sugerem que o jogo deve ser parado, tal como sucede com outros desportos, nos quais se recorre a um ecrã para rever os lances e o árbitro aguarda enquanto se toma uma decisão", disse Stewart Regan, diretor-executivo da Federação Escocesa de Futebol, em conferência de imprensa, outro entusiasta e defensor da supra referida proposta.

No entanto, ainda segundo Regan, "o futebol é um jogo de movimentos rápidos e é nosso entendimento que não se trata de uma repetição, mas sim de um apoio ao árbitro" e que se este receber uma indicação no ouvido a dizer-lhe que o lance é de cartão vermelho, "pode optar por assumir essa informação".

Nota-se que ainda existem diversas questões para esclarecer e aprofundar,

A nível nacional, quer a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Pedro Proença na qualidade de Presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), José Fontelas Gomes na qualidade de Presidente da (APAF) e Vítor Pereira enquanto Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) demonstraram publicamente a favor da introdução tecnológica do sistema de vídeo no futebol.

Aliás, pela grande maioria dos dirigentes de futebol a nível nacional e internacional é sabido que, a introdução de novas tecnologias, nomeadamente o vídeo-árbitro entre outras medidas, como forma de apoio aos árbitros na tomada de decisões difíceis no decorrer um jogo de futebol, desde que contribua para a credibilidade do futebol, serão normalmente bem acolhidas.

Atendendo ao elevado o número de câmaras que temos nos campos de Futebol, tornou-se impossível, hoje em dia, aos árbitros poderem competir com as mesmas, tendo em conta o inegável fator humano, a velocidade do jogo e a incapacidade poder ver e analisar determinados lances em determinados ângulos, que são determinantes, para se possa decidir em conformidade, pelo que, a modalidade terá forçosamente de adaptar-se aos evidentes sinais dos tempos.

Todavia, a questão de fundo não é esta.

Aquilo que a IFAB e a FIFA terão de resolver para breve, e sobretudo, definir em termos regulamentares generalizados se querem de uma vez por todas credibilizar o Futebol, será a estipulação normativa dos momentos em que se pode aplicar essas novas tecnologias, sem que da sua aplicação, não se desvirtue aquilo que é o futebol moderno enquanto desporto profissional de alto rendimento e enquanto atividade económica de relevo mundial.

Nesta sequência, não se pense que mesmo com a introdução destas novas tecnologias, que o fator erro deixa de existir numa partida de Futebol.

O fator humano continuará a subsistir, pois o árbitro fará sempre parte do jogo, e por inerência, a sua capacidade de análise, mesmo com recurso ao sistema do vídeo árbitro ou replay, terá sempre alguma margem de subjetividade que não lhe poderá ser retirada.

Desenganem-se aqueles que pensam, que no Futebol mesmo com a aceitação destas propostas da IFAB, o erro de julgamento do árbitro será banido, atingindo-se a perfeição e o mito da “verdade desportiva”.

No entanto, no Futebol mundial sopram ventos de mudança…veremos se são para ficar.

Lúcio Miguel Correia, Docente Direito do Desporto Universidade Lusíada de Lisboa e Advogado na MGRA Soc. Advogados