Paulo Rangel: ‘O PSD tem de sair do luto e tornar-se um pouco mais alaranjado’

Já foi candidato a líder do PSD e agora não arrisca dizer que não voltará a sê-lo «nem que Cristo desça à terra». Defende que Passos deve continuar, mas com uma alternativa.

Disse que alguma colagem de Marcelo a António Costa e a frieza com o seu eleitorado natural poderia ser contraproducente e desmobilizadora. Explique lá melhor isso.

Marcelo é um excelente candidato e não tem ninguém à altura dele. Haveria quem estivesse à altura dele, quer no centro-esquerda quer no centro-direita, mas de facto não concorreram. Agora, há um low-profile de Marcelo – comparado com aquilo que era, ele era um high profile por natureza – que pode ter criado alguma desmobilização. Marcelo tem um lado afetivo, muito parecido com o de Mário Soares, sabe envolver os portugueses. Ao ser tão cauteloso e prudente, talvez para não criar atritos, pode quebrar esse élan afetivo. E isso pode ser contraproducente. Acho que ele devia trazer o seu perfil mais forte, o seu lado carismático, para a campanha eleitoral.

Existe o risco de Marcelo não ganhar à primeira volta?

Acho que Marcelo vai ganhar à primeira volta sem problemas. A ligação de Marcelo Rebelo de Sousa às pessoas é muito forte. No fim, isso vai refletir-se na votação. Existe uma ligação afetiva que nem sequer é ideológica.

Em Belém, Marcelo vai ser um Presidente muito colado a António Costa?

Aí eu estou de acordo com João Soares, quando diz que ninguém pense que ele vai estar colado ao governo. Marcelo vai ser um Presidente estruturalmente independente. O que é que Marcelo procurou fazer em toda a sua estratégia presidencial? Não precisar de apoios partidários vindos de lado nenhum. Ele vai ter uma legitimidade própria. O que João Soares diz é que o facto de Marcelo estar agora com um discurso que por vezes parece muito tolerante e compreensivo para com o governo atual não quer dizer que ele depois seja um Presidente cooperante, no sentido de ser um Presidente alinhado, com o governo.

Concorda?

Concordo. Marcelo irá fazer aquilo que pensa. Pode alinhar com o governo em certas circunstâncias e pode desalinhar completamente noutras. Ele vai ter uma personalidade muito própria, muito suprapartidária. Vai com as mãos livres, com as mãos soltas. Os votos são dele, não são deste ou daquele partido.

E no meio disto tudo o PSD está bem e recomenda-se?

Acho que o PSD está bem. Não sei se estará bem no futuro se agora não tomar determinadas medidas. O PSD está na fase em que devia estar depois de ter ganho as eleições e de não ter conseguido ir para o governo e ter visto a formação de uma maioria de esquerda e extrema-esquerda. Acho natural que depois de ter visto isso tudo, o partido esteja a preparar-se para uma oposição. Acho que a oposição só começará com o primeiro orçamento. Aí é que é o grande embate. O governo Costa até já está a antecipar isto com esta estratégia que eu acho o ‘reversionismo’, que é o reverter tudo. Penso que o PSD está bem, está a gerir o luto. Mas acho que passada esta fase, o PSD tem que fazer uma oposição forte e, para além de fazer uma oposição forte, tem de construir uma alternativa.

E onde está essa alternativa?

É natural que essa alternativa seja protagonizada pela atual direção. Para mim isso é uma coisa claríssima. Acho que há todas as condições para a atual liderança fazer este reagendamento. A grande agenda é a questão da reforma do Estado, foi aquilo onde nós falhámos mais. No fundo foi aquele papel que foi na altura encomendado a Paulo Portas e que não era um papel… ou era só um papel… Não era um guião de reforma do Estado verdadeiro e próprio. Aí houve um fracasso e nós devíamos assumir isso e devemos relançar esse tema. O PSD deve apresentar uma proposta de alternativa a estas políticas do Partido Socialista que, até agora, se esgotaram em políticas de pura reversão. Qual é a grande palavra de ordem? É desfazer, é revogar, é afastar. No fundo, António Costa não tem um programa de governo, tem um desprograma de governo! É desfazer o que os outros fizeram!

Rui Rio, que decidiu não ser candidato presidencial, poderá candidatar-se à liderança do PSD?

Acho que é sempre um nome a ter em conta, mas não penso que isso vá acontecer agora. Mas é evidentemente uma das grandes figuras políticas portuguesas. Seria um bom candidato a Presidente da República, seria com certeza também um bom presidente do PSD. Tem um futuro político completamente aberto. Assim ele o queira.

E Paulo Rangel, que já foi uma vez candidato à liderança do PSD?

Eu sinto-me muito bem nas funções em que estou. Fui recentemente eleito vice-presidente do PPE (Partido Popular Europeu). Tenho responsabilidades políticas ao mais alto nível europeu, sinto-me muito bem nessa pele. Não deixo de ser uma voz ativa no PSD, procurando estimular o meu partido a corporizar uma alternativa ao tal ‘desprograma’ que representa o PS e António Costa. Sinceramente, não tenho uma agenda para aí. Até porque a questão não se vai pôr agora.

Mas Paulo Rangel pode voltar a ser candidato a líder do PSD?

É uma questão que não está na agenda. Agora, não vou fazer o que fez o prof. Marcelo que disse «nem que Cristo desça à terra» (risos).

Acredita sinceramente que Passos vai ser o candidato a primeiro-ministro nas próximas eleições?

Creio que tudo indica que será assim.

Paulo Portas fez bem em sair da liderança do CDS?

O caso de Paulo Portas é totalmente diferente de outros casos. Paulo Portas era o político que estava há mais tempo em funções, que já teve várias provas de fogo. É evidente que o seu esgotamento aconteceria de forma mais rápida do que o de outros políticos cuja longevidade não se compara com a dele. Acho que foi isso que ele compreendeu. Tinha preparado uma geração para renovar o CDS e estava na altura de se reservar para um eventual futuro. Agora, acho que isso lança um desafio ao PSD, que é o de reforçar a ideia de que estamos perante um novo ciclo e que nós também temos que ter uma agenda para este novo ciclo.

Independentemente de se manter o líder?

Eu acho que se deve manter. É natural e há todas as condições para o fazer. Mas o fundamental é perceber que para tempos diferentes é preciso respostas diferentes.

E o PSD já percebeu isso?

Acho que percebeu perfeitamente. É por isso que há um período de um certo luto. Agora, acho que temos de pôr as garras de fora. Com todas as medidas ‘reversionistas’ de António Costa, acho que o PSD tem de sair do luto mais rapidamente. Tem que começar a vestir umas cores mais garridas, deixar-se de um preto e de um cinzento muito discretos e tornar-se um pouco mais alaranjado no debate político.

ana.lopes@sol.pt