Assistente do Sr. Reitor

Quando eu era muito ingénua, nutria admiração por dois grupos profissionais: os professores universitários e os políticos.

os professores universitários, por serem homens e mulheres superiores, longe das lutas mesquinhas e dos pecadilhos dos outros humanos; os políticos, mesmo estando em desacordo com eles (e salvo algumas trágicas excepções), por acreditarem que as medidas que tomavam eram as mais adequadas para o bem-estar dos seus compatriotas.

cedo percebi que, mesmo em democracia, muitos políticos se serviam da coisa pública em vez de a servirem.

sobravam os académicos.

nos finais dos anos oitenta, uma amiga comum sugeriu o meu nome ao professor antónio nóvoa, que precisava de uma assistente na faculdade de motricidade – onde, regressado da suíça com uma tese de doutoramento debaixo do braço, aguardava em trabalho precário que a universidade de lisboa creditasse o seu trabalho.

reunião marcada, a surpresa foi total. nesse tempo, os doutorados eram muito poucos e quase todos seniores. ele era muito mais novo do que eu, tinha uma pasta do tempo em que andara no liceu e ria como qualquer pessoa de bem com a vida.

quando lhe disse da minha falta de preparação científica para o trabalho que me propunha, respondeu convicto: «quem não sabe, estuda – e pode ao mesmo tempo ensinar o que já sabe».

levou-me pela mão durante um ano inteiro, partilhou comigo cada revista, cada livro novo, cada discussão.

eu tinha sido já professora em vários níveis de ensino, mas no superior nunca.

os alunos não estavam naturalmente motivados para aprendizagens na área da história da educação. nesse primeiro ano, o meu medo de faltar ao rigor científico deve ter tornado as aulas um suplício. depois, foi passando.

num exame, uma aluna citava luís filipe leite baptizando-o de antónio nóvoa. procurei explicar que muitos anos de vida os separavam. convidei o professor a participar na aula final. foi a festa. os olhos deles e delas brilhavam perante a capacidade de síntese de alguém que era íntimo daqueles homens e daqueles caminhos.

com a história das ideias pedagógicas herdei o seu gabinete e o desamor que aquela escola nutria por ele ao tempo.

por essa época, percebi que os académicos guerreavam-se por coisas tão ridículas como um rato de computador.

nunca fiz carreira académica, mas nunca perdi de vista o professor antónio nóvoa.

vi-o abrir continuamente janelas de saberes. quando encontrava gente capaz de lhes encher os parapeitos mantendo-as abertas, partia a abrir outras.

hoje, é reitor da universidade de lisboa.

estuda com os seus pares a fusão da sua universidade com a universidade técnica, e não se vai candidatar à liderança da nova estrutura.

em entrevista recente, à qual me atrevo a chamar histórica, afirma sem arrogância nem preconceitos: «a mudança da sociedade portuguesa ou se faz mudando as universidades ou não se faz». e explica porquê, com muita clareza.

que outras janelas rasgará a seguir o senhor reitor?

catalinapestana@gmail.com