As boas novas da despesa pública

Colocar as contas públicas em ordem de forma sustentável é, talvez, a área do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) a que maior atenção é dedicada – e, portanto, todas as informações que neste campo vão surgindo são amplamente divulgadas e discutidas.

foi o que aconteceu com a recentemente conhecida execução orçamental do primeiro trimestre de 2012, tendo a maior parte das análises efectuadas, apressadas e pouco cuidadas, concluído que estávamos perante resultados negativos: receita a evoluir abaixo do orçamentado; despesa pública a crescer mais do que se previa.

desde logo, é importante não esquecer que passou apenas um quarto do ano – pelo que as análises devem primar pela prudência; para além disso, nos primeiros meses de 2011 e 2012 existiram, nas contas públicas alguns factores que enviesaram comparações – tanto na receita como na despesa – e que, não sendo expurgados, deturpam os resultados até agora conhecidos … sobretudo na despesa que, ao contrário de anos anteriores, parece, agora, estar sob controlo – o que faz toda a diferença em termos de sustentabilidade da redução do desequilíbrio das contas públicas, como confirma muita literatura da especialidade.

concentremo-nos no subsector estado, aquele em que, historicamente, é registada a fatia de leão do défice das administrações públicas. à primeira vista, com uma subida de 3,5% face ao primeiro trimestre de 2011, a despesa do estado parece estar fora de controlo face ao orçamentado (descida de 0,9%). sucede que dois factores extraordinários devem ser expurgados: (i) a despesa com juros da dívida pública está influenciada pelo pagamento anual do juro referente a uma linha de obrigações do tesouro emitida em fevereiro de 2011 (225 milhões de euros), e que, claro, antes não existia; (ii) a despesa de capital reflecte a transferência pontual de 348 milhões de euros do estado para a rtp, destinada a amortizar dívida da empresa e a preparar o seu processo de privatização (sendo que, neste caso, como a rtp consolida no perímetro das administrações públicas, se trata de uma transferência que não tem qualquer impacto na despesa pública global).

descontando estes dois efeitos (que se irão esbater ao longo do ano), a despesa efectiva do estado na óptica de caixa estaria não a subir, mas sim a cair 2,3% em termos homólogos. e agregados importantes como a despesa primária e a despesa corrente primária (ambas excluem os juros da dívida pública) estariam a cair 4,3% e 3,8%, respectivamente – melhor do que o objectivo (-4% e -3,1%). ou seja, numa base comparável, todos os agregados da despesa do estado estão a evoluir mais positivamente do que as previsões.

e não deve ser esquecido que os impactos dos cortes dos subsídios de férias e de natal para funcionários das administrações públicas (incluindo empresas públicas) e pensionistas apenas serão sentidos nos meses em que eram pagos na totalidade: junho e novembro, respectivamente. o que deixa uma expectativa muito positiva para a evolução da despesa pública em 2012 – marcando, repito, um evidente contraste face a tempos recentes. pergunto: não são estas boas notícias?!… parece-me evidente que sim. por três razões principais (todas elas importantes):

(i) mostrando portugal que está a conseguir controlar e reduzir a sua despesa pública, atrevo-me a referir que, se por efeito da conjuntura recessiva que atravessamos, a evolução da receita (bem como os apoios sociais aos mais desfavorecidos) colocasse em causa o objectivo orçamental do ano, mesmo aí, a nossa imagem de país cumpridor não se alteraria – nem para os nossos credores (a troika) nem para a comunidade internacional em geral. porque, nessa hipotética situação, estaríamos a mostrar que, no que dependia da determinação e empenho do governo (em controlar a despesa) tudo estaria a ser cumprido – e dever-se-ia à conjuntura recessiva qualquer eventual incumprimento no saldo orçamental;

(ii) esta evolução dos indicadores da despesa pública mostra que os (muitos) esforços e sacrifícios que os portugueses estão a fazer para consolidar as finanças estão a valer a pena;

(iii) é o combate ao excesso de despesa pública que permitirá, num futuro que, espero, não seja distante, aliviar a sufocante pressão fiscal que asfixia a sociedade portuguesa e mina a nossa competitividade (sendo claramente prejudicial, como há anos venho referindo). por mim, só posso desejar que estas boas novas do lado da despesa pública, em claro contraste com o passado recente, sejam para continuar.

* porém, mesmo sem ajustamentos, o défice global das ap no primeiro trimestre de 2012 ficou próximo de 450 milhões de euros, claramente abaixo do limite imposto pela troika no paef (um défice de 1.900 milhões de euros) – um aspecto (bastante) positivo que, infelizmente, acabou por passar relativamente despercebido.

economista, ex-secretário de estado do tesouro e das finanças