Álvaro Beleza: ‘Temos uma bomba atómica contra Bruxelas: o referendo à UE’

   

O ex-dirigente de Seguro e apoiante de Maria de Belém quer agora ajudar António Costa. Diz que uma candidatura alternativa no Congresso é indesejável. E quer o PS a virar ao centro.

Como se explica a derrota do PS e da esquerda nas presidenciais?

O candidato da direita era o melhor, o mais bem preparado.  Perdemos também por causa da divisão no PS, que teve dois candidatos, aprovados em Comissão Nacional. Em terceiro lugar, Marcelo fez uma campanha ao centro, e é ao centro que se ganha.

Maria de Belém estava mais ao centro e não teve hipótese.

A queda abrupta de Maria de Belém na última semana deveu-se ao assassínio político que foi feito pelo Tribunal Constitucional [por causa da decisão sobre as subvenções dos políticos]. Não entendo como é possível divulgar um acórdão do TC em semana de eleições. Ou é má fé ou incompetência ou ambas. Se Maria de Belém tivesse o score que lhe davam as sondagens, mesmo em queda, garantiria uma segunda volta.

Como assim?

Houve transferência de parte do eleitorado de Maria de Belém para Marcelo, à última hora. Isso impediu Sampaio da Nóvoa de passar à segunda volta.

A sua candidata foi Maria de Belém mas não o vimos na campanha.

Porque eu tomei a decisão pessoal de me afastar da campanha desde o início (e disse-o a Maria de Belém). Eu estava muito envolvido nas questões internas do PS e achei que podiam fazer-lhe esse ataque, como fizeram, de ser uma candidata de facção. Nem faz sentido: a direção de campanha era composta por senadores do PS, que não estiveram com Seguro.

Ofende-o que Belém não quisesse Seguro na campanha?

Não quero acreditar que isso seja verdade, seria triste. No código genético do PS , que é o meu, não renegamos os amigos.

Vai contribuir para pagar a campanha de Maria de Belém?

Claro que sim. E acho lamentável que o PS não esteja disponível.

Também acusa a direção do PS de não ter sido imparcial?

Não. A esmagadora maioria da direção do PS apoiou o candidato Sampaio da Nóvoa, o que é legítimo, dado que se combinou que cada um apoiaria quem queria. E acho que António Costa esteve bem porque se manteve neutro.

Marcelo vai arranjar problemas ao Governo?

Se Marcelo quiser ser reeleito, será isento. Não acredito que vá criar problemas ao PS. Ainda sobre as presidenciais queria dizer uma coisa: Marcelo teve mais quase meio milhão de eleitores que a direita nas legislativas. É o centro que decide eleições e o PS tem de tirar daqui uma lição: para ganharmos as próximas legislativas temos de ir ao centro.

Mas como é que se recentra um Governo apoiado pela esquerda?

Focando o objetivo do país no crescimento económico e garantindo que há uma política para a classe média. E é preciso prudência, acho que tem havido excesso de voluntarismo e de romantismo na gestão dos negócios públicos.

O crescimento eleitoral do Bloco de Esquerda devia preocupar o PS?

Dos nossos aliados à esquerda, acho que o PCP é confiável, por tradição e por ter ficado numa situação frágil. Até ao refrescamento da direção, trocando Jerónimo de Sousa por um líder mais jovem, será o último partido que quer eleições. Já do BE acho o contrário: tem três mulheres que são o fenómeno da vida política portuguesa, com  mérito indiscutível. Vão criar um problema, pois a estratégia do Bloco é ocupar o lugar do PS, ou pelo menos dividir o nosso eleitorado e atingir os 20%.

Este Orçamento do Estado está a ser atacado fora e dentro do país, agora pela UTAO.  É credível?

É feito por um professor de Economia  e, apesar das reservas da UTAO, quero acreditar que está tecnicamente bem. Mário Centeno é boa pessoa e simpático, mas talvez o ministro das Finanças devesse ter um perfil diferente. Não sei como é que ele vai sobreviver a tudo isto. E penso que o perigo maior vem não de Bruxelas, mas das agências de rating.

Confia em António Costa para enfrentar a Comissão Europeia?

António Costa é o melhor negociador que podíamos ter com Bruxelas. Ele já está a fazer a quadratura do círculo entre a esquerda radical que nos suporta cá dentro, a realidade económica internacional (que não é simpática), as agências de rating e a Comissão Europeia. É um negociador muito hábil, penso que conseguirá ultrapassar isto, agora não vejo maneira de resolver o problema das contas públicas sem recuar, por exemplo na questão do IVA da restauração. Mas se for criado um braço-de-ferro entre António Costa e Bruxelas, eu acho que Portugal tem uma arma de reserva.

Qual?

António Costa tem uma bomba atómica para usar em relação a Bruxelas. Portugal pode a qualquer momento pensar em fazer um referendo à participação na União Europeia. A Inglaterra vai fazer um, por que nós não podemos? Os portugueses nunca foram chamados a pronunciar-se. Se o Governo do PS tiver dificuldades pode sempre pensar se não será útil ouvir os portugueses.

Quem é que lidera a oposição interna do PS?

Não há oposição interna no PS, a oposição vem da direita.

O que espera de Francisco Assis?

Espero que se mantenha coerente com as posições que tem defendido e que possa enriquecer o debate interno no PS. A reflexão interna franca é necessária, pois nós não pensamos todos da mesma maneira.

Isso implica a apresentação de uma moção ao Congresso?

Não sabemos ainda. Há várias maneiras de intervir, como a apresentação de um texto antes do Congresso, uma moção setorial, ou outra. Não é obrigatório e porventura não será desejável haver qualquer candidatura alternativa à liderança.

Francisco Assis desistiu de ser candidato à liderança?

Ele nunca disse que era candidato à liderança, disse que estava disponível para encabeçar uma corrente, de que faço parte, que é a mais moderada dentro do PS.

Como explica o episódio de Ricardo Gonçalves, que adiantou que ia haver uma moção ao Congresso e Assis depois veio desmentir?

Alguns camaradas meus têm vontade de que o Francisco Assis apresente uma candidatura. Seremos sensatos, para nunca prejudicar o PS. O nosso objetivo é ajudar o PS a ser um bom Governo.

O Álvaro Beleza a seguir às eleições chegou a dizer que ia candidatar-se. Deixou de ser candidato?

Sim, deixei. Na altura defendi que devia ter havido um Congresso, a seguir uma derrota eleitoral era esse o processo normal. E se não houvesse outro candidato eu avançaria. Mas não tenho vontade de me candidatar a coisa nenhuma. Hoje o partido é Governo, portanto as circunstâncias mudaram.

Um movimento envolvendo políticos e médicos quer legalizar a eutanásia. Qual é a sua posição?

O meu amigo e colega João Semedo mandou-me esse documento e eu subscrevi-o imediatamente. Sou totalmente a favor, até pela minha experiência pessoal, que me fez pensar na maneira como quero morrer – tive um cancro faz agora 10 anos. Um dos direitos individuais é poder escolher a maneira como se morre, sobretudo em caso de doença irreversível.