O voto útil desapareceu?

Assunção Cristas quer o CDS a beneficiar com o precedente aberto por António Costa. Os partidos grandes veem a vida complicar-se.

A chamada ‘geringonça’ terá mudado para sempre o sistema eleitoral português. António Costa é o primeiro chefe de Governo que não ganhou as eleições e o seu governo coloca pela primeira vez o BE e o PCP como partidos de apoio ao governo, ao invés de meras forças de protesto. Que a partir de agora podem reclamar que o voto nos comunistas e bloquistas é um voto no ‘arco da governação’.

Mas esta machadada na tese do voto útil afeta também os partidos à direita. Assunção Cristas, a única candidata a líder do CDS, no congresso de 12 e 13 de Março, diz que «o que António Costa fez à coligação [PSD/CDS] pode mais tarde virar-se contra ele». As próximas eleições, mais do que uma batalha entre forças políticas, serão uma disputa de alianças, independentemente de qual o partido mais votado.

«O que interessa a partir de agora é o resultado do bloco para derrotar esta esquerda radical. O que interessa é ter uma coligação que tenha pelo menos 116 deputados no Parlamento. Já não precisamos de um partido que ganhe as eleições», diz a deputada ao SOL.

O exemplo da história do CDS

Cristas sabe do que fala, quando refere o impacto que o voto útil teve no CDS. «Lembro-me em 2011 de andar em campanha e estava tudo a correr muito bem, com apoio das pessoas na rua. Chegámos à última semana e as coisas mudaram. ‘O que é importante agora é tirar quem lá está’, diziam-me». Era preciso votar em Passos Coelho, no PSD, para apear Sócrates do poder, até porque os eleitores já sabiam que o CDS iria para o governo, fosse qual fosse o resultado obtido.

O corolário desta tese é também, do ponto de vista do interesse dos centristas, a inutilidade de uma coligação eleitoral prévia com o PSD. A medição de forças entre CDS e PSD far-se-á nas próximas legislativas, e será o resultado e não um entendimento prévio, a determinar quantos deputados tem cada partido e a relação interna de forças na direita. Será que o CDS quer ultrapassar o PSD?

Assunção Cristas diz que tem «a máxima ambição» eleitoral, mas essa ambição «não é nada contra o PSD». Agora, acrescenta, «um CDS com mais força tem mais capacidade governativa». Nas legislativas de 2011, as últimas em que o CDS foi sozinho a votos, o partido liderado por Paulo Portas obteve 11,7%, ultrapassou o BE e firmou-se como terceiro grupo parlamentar, com 24 deputados.

Para trás já tinham ficado os tempos ‘negros’ das duas maiorias absolutas de Cavaco Silva, que deram ao CDS a alcunha de ‘partido do táxi’ – porque os seus 4 deputados podiam (em 1987) ir no mesmo carro para o Parlamento. Com Paulo Portas, o CDS começou a fazer o discurso político de ser ‘parte da solução’. Portas, na campanha de 2002, tentava convencer o eleitorado com uma imagem sugestiva: «Falta-nos um bocadinho assim. Com os vossos votos eles não conseguirão fazer nada sem o CDS». E foi mesmo pela margem mínima: os 14 deputados centristas somaram 116 com os do PSD, dando, por um voto a maioria absoluta. E iniciando o ciclo do poder do CDS de Portas. Em 2011, os centristas repetiram o feito, desta feita com Passos Coelho, outro líder do PSD_(depois de Durão Barroso e Santana Lopes) a precisar do CDS_de Portas para governar.

Demasiado cedo para conclusões

No PSD, o novo ciclo de liderança do CDS é acompanhado com curiosidade interessada. «Faz sentido os dois partidos continuarem a ser uma alternativa a este governo de esquerda», diz Carlos Carreiras. O dirigente do PSD admite que o efeito das últimas eleições, que colocaram um partido não vencedor a governar, possa ter mudado as regras do jogo. Mas não está assustado com um crescimento do CDS.

«Admito que possa haver um crescimento do CDS, mas o PSD tem muitos votos para recuperar à esquerda, entre os descontentes da governação, que haverá. E até vamos recuperar votos que foram para o BE diretamente do PSD», diz ao SOL.

Esta é uma análise que aposta num desgaste rápido da governação, e feita numa altura em que os mercados reagem com nervosismo à incerteza económica.

De resto, Carreiras diz que «é muito cedo para tirar conclusões de uma situação complexa, desencadeada pela solução de governo atual». Mais do que o ganho que o CDS pode tirar de uma próxima eleição transformada em ‘luta de dois blocos, um à esquerda e outro à direita, o dirigente social-democrata aposta «numa precipitação de António Costa para eleições antecipadas, no dia em que perceba que tem maioria só com o Bloco, desembaraçando-se do PCP».

À esquerda, o conceito de arco de governação é dado por extinto. «O arco da governação foi suplantado pelo arco da constituição», proclamou o líder do BE, Pedro Filipe Soares, no momento da aprovação da rejeição do programa de Passos Coelho. O voto útil acabou? «É agora um argumento eleitoral obsoleto», arrisca um dirigente bloquista.

manuel.a.magalhaes@sol.pt