Caso Bárbara Guimarães/Carrilho: Afastar juíza é missão difícil

A maior parte dos pedidos de afastamento de juízes acaba rejeitado. Não é um dado oficial – até porque não há nenhuma entidade que compile estes dados –, mas é essa a perceção de magistrados e advogados, até pela forma como esta possibilidade está blindada na lei.

Caso Bárbara Guimarães/Carrilho: Afastar juíza é missão difícil

O pedido de afastamento da juíza Joana Ferrer Andrade, apresentado esta semana pelo advogado de Bárbara Guimarães, poderá, por isso, não ter qualquer consequência prática, ao contrário do que aconteceu em outubro com o pedido apresentado (por razões diferentes) pelo ex-marido e arguido, Manuel Maria Carrilho.

Fonte do Tribunal da Relação de Lisboa, instância em que o requerimento da apresentadora de televisão será apreciado, no prazo de 30 dias, explicou ao SOL que estes pedidos exigem uma «fundamentação muito sólida».

‘Vai ser complicado’

Quem requer o afastamento de um juiz – um passo considerado «muito grave» pelos juristas consultados –, «tem de provar os requisitos, demonstrá-los, porque não basta dizer que não gosta do juiz», acrescenta fonte da Relação. Por exemplo, «se invoca uma grande inimizade em relação a uma das partes» – como fez o advogado de Bárbara Guimarães, Pedro Reis, em relação à juíza que conduz o processo de violência doméstica contra Carrilho – «tem de comprovar isso através de comportamentos que o juiz possa ter e de elementos documentais do processo».

Documentos, gravações de uma sessão de julgamento e até a inquirição das partes envolvidas, tudo isso pode ser feito para apreciar o pedido de afastamento.

Mas «pode ser complicado provar» esse impedimento. A lei prevê várias possibilidades, entre as quais, precisamente,  a de que se verifique uma «inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários». Em qualquer dos casos, o motivo tem de ser «sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade».

Censura e preconceito

Há uma semana, Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho estiveram pela primeira vez em tribunal, para o julgamento em que o ex-ministro é acusado pelo Ministério Público de violência doméstica ao longo dos anos em que estiveram casados.

O julgamento devia ter começado há quatro meses, mas um pedido de afastamento da juíza Ana Paula Baptista Lopes suspendeu os trabalhos ainda antes da primeira sessão. Na altura, Carrilho recusou ser julgado pela mesma juíza que o tinha condenado por difamação, também num processo colocado pela ex-mulher.

Caso muito diferente do atual. Agora, o advogado de Bárbara Guimarães  sustenta que as intervenções de Joana Ferrer Andrade na primeira sessão criaram uma «desconfiança generalizada» quanto à sua imparcialidade na condução do julgamento. Em causa está a forma como a juíza se dirigiu à apresentadora, tratando-a pelo nome próprio e, em determinados momentos usando o termo «querida», em contraste com o tratamento formal usado nas interpelações e referências a Manuel Maria Carrilho, o «professor».

Noutro momento da sessão de há uma semana, Ferrer Andrade questionou a demora da apresentadora para apresentar queixa:  «Causa-me alguma impressão a atitude de algumas mulheres vítimas de violência, algumas das quais acabam mortas. A senhora procuradora diz que não tem de se sentir censurada. Pois eu censuro-a! É que, se tinha fundamento para se queixar, devia tê-lo feito».

O dia-a-dia nos tribunais portugueses

Para os advogados ouvidos pelo SOL, é difícil perceber a reação às intervenções da juíza Joana Ferrer Andrade. Além das críticas da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, o próprio Ministério Público apresentou um incidente de suspeição contra a magistrada, antecipando-se, de resto, ao advogado de Bárbara Guimarães.

«Em Portugal, há uns juízes sem medo e outros que estão sempre atrás do Ministério Público», diz um dos advogados ao SOL. Ferrer Andrade estará no primeiro grupo e os episódios da última semana em nada deverão abalar a sua postura em tribunal.

Algo que o mesmo advogado considera ser «normal» na condução de um julgamento. «Quando se está a ouvir uma vítima, é normal que haja uma aproximação, que se pode manifestar na utilização do nome próprio, ao mesmo tempo que a utilização do título académico pode significar um distanciamento», refere o mesmo advogado.

As próprias perguntas feitas a Bárbara Guimarães e a ‘censura’ são consideradas como estando dentro de uma normal condução de um julgamento. Uma leitura nos antípodas daquela que de imediato foi feita. De resto, «este tipo de episódios são diários nos nossos tribunais», diz a mesma fonte.

pedro.rainho@sol.pt