Elísio Summavielle: ‘A minha prioridade é a vida do CCB’

O homem que sucederá a Lamas à frente do CCB depois de uma polémica demissão diz que há no plano do seu antecessor «documentação interessante» para ser usada no futuro.

Há semanas que os dias de António Lamas à frente do CCB estavam contados, fruto de um braço de ferro com a tutela em torno do plano estratégico para o eixo Belém-Ajuda, aprovado pelo anterior executivo mas que desde início se percebeu que os socialistas deixariam cair. Na segunda-feira, João Soares cumpriu o que tinha prometido três dias antes e afastou António Lamas do cargo de presidente do Centro Cultural de Belém. Para o substituir escolheu Elísio Summavielle, de 59 anos, um técnico do património e seu amigo de longa data, com quem trabalhou pela primeira vez no início da década de 1990, enquanto vereador da Cultura na Câmara de Lisboa, e que ocupou, desde a década de 80, vários cargos de direção em organismos públicos ligados ao património.

«Neste momento estou centrado é na vida do próprio monumento», diz Summavielle ao SOL ao cabo de uma semana abalada pelo polémico afastamento de Lamas. Tudo o mais que puder dizer «será depois de lá chegar e ver o estado de saúde da casa», sendo que Summavielle diz ter já o seu grande objetivo definido. «O meu objetivo principal é o CCB e a missão do CCB que está definida nos estatutos da fundação – a de valorização e divulgação da Cultura», afirma. Quanto ao plano estratégico delineado pelo seu antecessor para o eixo Belém-Ajuda, o novo presidente do CCB reconhece que «como todos os trabalhos que são feitos tem sempre documentação interessante e pode ajudar em futuros desenvolvimentos noutro sentido».

O Plano Estratégico e Cultural da Área de Belém, que Lamas delineou para aquela área quando assumiu a liderança do CCB, no final de 2014, foi aprovado em Conselho de Ministros pelo anterior governo mas nunca colheu simpatia na Câmara de Lisboa. Voltado sobretudo para o turismo, previa a criação de um distrito cultural em Belém e de percursos temáticos relacionados com os Descobrimentos, a ampliação do CCB, no que seria uma transposição para a zona de Belém e da Ajuda do modelo implementado por Lamas no Parques Sintra-Monte da Lua, com reconhecido sucesso. Sob a mesma administração, a partir do CCB, seriam geridos o Mosteiro dos Jerónimos e os museus Berardo, dos Coches, da Etnologia, da Arte Popular, da Marinha e da Eletricidade, além do novo Museu EDP.

Protagonismo deve «partir do município» e não do CCB

Summavielle, que assumirá o cargo nas próximas semanas, diz agora que essa é uma questão encerrada, sobre a qual nada quer acrescentar. «A minha prioridade é a vida do CCB, é isso que me preocupa», afirma. No seu entender, as atividades do CCB foram, nos últimos tempos, prejudicadas pelo investimento na reestruturação que estava em curso em Belém, na qual terão sido gastas ao longo de 2015 dezenas de milhares de euros. «Basta dizer que das atividades que estavam previstas para 2016 apenas um terço contempla a programação do próprio centro. Isso é preocupante, uma vez que devia deveria corresponder a três terços da preocupação e do investimento do CCB».
Segundo Summavielle, não será papel de um equipamento como o CCB intervir no território: «O território é da Câmara Municipal de Lisboa, que tem os seus representantes legítimos», sublinha. «OMinistério da Cultura, a Câmara de Lisboa, o Ministério da Defesa, que tem o Museu da Marinha, todos estes envolvidos no chamado eixo Belém-Ajuda, deverão ser envolvidos, mas o protagonismo e a iniciativa devem partir do município de Lisboa. O CCB tem uma missão específica, que está definida nos seus estatutos».

Segundo a resolução publicada a 24 de fevereiro em Diário da República, o governo considera que o plano estratégico pensado por Lamas poderia vir a «comprometer a missão e o papel [do CCB] no quadro da sua intervenção prioritária» e refere ainda que a Câmara de Lisboa não foi tida nem achada no processo – acusação negada por Lamas, que afirma ter-se reunido várias vezes com vereadores e técnicos municipais. Do outro lado, também o presidente Fernando Medina tem vindo a repetir que a câmara de Lisboa «não teve qualquer participação» na discussão do plano. «A câmara não foi ouvida nem consultada» no processo, mesmo tendo manifestado «total disponibilidade para um trabalho em conjunto», afirmou o autarca numa reunião da Assembleia Municipal em novembro.

Foi justamente no dia da publicação da resolução do Conselho deMinistros – já depois da entrevista de João Soares ao Expresso em que disse que perante isso o expectável seria que o presidente do CCB se demitisse – que Lamas disse, em declarações ao Público, que não estava na sua natureza demitir-se. «Não me demito quando acredito em alguma coisa […] e eu acredito que o CCB tem capacidade para gerar mais receita e depender menos do Fundo de Fomento Cultural, acredito que pode ganhar públicos e ser mais importante do que é hoje para a cidade e para o país».

Petição não intimida Soares

O desfecho acabaria por ser o previsível afastamento de Lamas por Soares, ao cabo de menos de dez dias depois daquela entrevista, num processo criticado por muitos, como Teresa Patrício Gouveia (administradora da Gulbenkian) ou até António Vitorino, da área socialista. Se por um lado há quem argumente tratar-se de um cargo de confiança política, do outro esgrimem-se argumentos que associam a nomeação de Summavielle para o CCB às suas filiações maçónicas. O caso originou até o lançamento de uma petição pedindo a demissão de João Soares do Ministério da Cultura, que ontem recolhia já mais de 12 mil assinaturas. Oministro respondeu através do Facebook dizendo simplesmente: «Se pensam que me intimidam, desenganem-se».

Num artigo de opinião no Público, a historiadora da Arte Raquel Henriques da Silva qualifica de «inaceitável» a atitude de «um recém-chegado ministro que ainda não provou nada, para com um homem que, há mais de trinta anos, vem servindo com raro brilhantismo e respeito pela coisa pública, o património português».

Sobre o afastamento de Lamas, Elísio Summavielle diz ao SOLnão querer pronunciar-se, ainda assim revela: «Tenho mantido sempre ao longo de décadas uma relação cordial com o professor António Lamas, que conheço há muitos anos da área do património. Penso que é absolutamente necessário que a poeira assente. Estas coisas acontecem, mas é necessário que esse ruído não impeça o bom funcionamento do CCB».