Jardim está duplamente enganado sobre Passos Coelho

Alberto João Jardim interrompeu o seu abençoado sossego e o olvido em que prazenteiramente o tínhamos deixado cair para fazer prova de vida. E, de permeio, alguns ajustes de contas que lhe ficaram atravessadas – após ter saído de uma longa carreira política pela porta pequena.

Jardim assume, em entrevista ao i, o discurso de estadista ponderado ao avisar que «não podemos continuar a ter um sistema político que permita que o país gaste mais do que produz». Desconcertante, no mínimo. Mas não foi ele mesmo o maior despesista de Portugal e arredores, ao longo de mais de 30 anos? Não foi ele que deixou a Madeira na bancarrota com uma impensável dívida de seis mil milhões de euros? «Essa dívida pública foi feita porque esta região estava muito atrasada» e «o continente viveu séculos à nossa custa», diz a justificar-se.

Jardim é um pândego, mas já devia ter percebido que conseguiu pôr Portugal e os portugueses a olharem para a Madeira com a mesma desconfiança e falta de paciência com que a Europa e os europeus passaram a olhar para a Grécia. E que, neste paralelo, o gastador incorrigível e irresponsável é ele.

Jardim aproveita ainda para zurzir naqueles que o apearam do poder. «Como é que deixaste o PSD Madeira chegar a este ponto?», pergunta em jeito de introspeção. E não poupa, acima de todos, Passos Coelho. Que tentou levantar «resistências» à sua «continuidade à frente do PSD» madeirense.

Pior: lá no PSD do continente, afirma Jardim, «vão recandidatar outra vez Passos Coelho, mas vão levar outro banho porque ninguém lhe vai dar a maioria absoluta». Ora, aqui Jardim está duplamente enganado. Não só Passos não levou banho nenhum – é ele quem tem mais deputados na AR, e até foi ele o primeiro em toda a Europa a conseguir vencer eleições após aplicar um duro e impopular programa de austeridade. Como, por outro lado, será Passos a receber no colo o poder, será a ele e a nenhum outro que os portugueses darão, inevitavelmente, o seu voto e confiança quando a periclitante aliança PS-BE-PCP se desconjuntar. E Passos nem precisará de uma maioria absoluta para regressar a S. Bento. Jardim está a perder qualidades e visão política.