Faz-se pouco sexo. Capítulo segundo

A Vanessa obrigou-me a ler a novela que quer agora publicar sob o título angustiante “Faz-se pouco sexo”. Eu comecei a ler numa noite destas no Snob, mas distraí-me. Em casa, sozinha, li o que se passou numa viagem ao Porto entre a Joana e o Rui

Está tudo louco. Esta é a frase que eu e os meus amigos mais repetimos continuamente de há algum tempo para cá. Tudo louco. Tudo passado dos carretos. Tudo demente. A sanidade mental de antigamente existia ou é uma ficção nossa? Oh, o passadismo também não é um sinal de equilíbrio.

Agora que finalmente cheguei a casa, comecei a ler a novela que a Vanessa, que também está louca, quer publicar – e que julga poder ser um sucesso editorial – com o título muito pouco edificante “Faz-se pouco sexo”. Ela diz que percebe do assunto. Na semana passada, numa noite no Snob, obrigou-me a ler o início. Achei modesto, um bocadinho pateta, mas não lhe quis dizer imediatamente. É muito aborrecido criticarmos os livros dos nossos amigos e, como eles estão sempre a publicar coisas que nem uns doidos, uma pessoa fica numa situação chata. Às vezes não lemos os livros, outras vezes mentimos sobre o que realmente achámos. Eu detesto mentir nestas coisas – ainda por cima quando minto, mesmo piedosamente, infelizmente lê-se tudo na minha cara – e costumo tentar dar a volta ao texto dizendo “eh pá ainda não consegui ler, mas a nova namorada do meu ex-marido gostou imenso”. Felizmente que há sempre por perto alguém que “gostou imenso” para contentar um autor desejoso de feed-back. A questão é que à Vanessa eu não posso mentir. Os amigos dividem-se entre aqueles a quem conseguimos ainda mentir um bocadinho e aqueles a quem, em nenhuma circunstância, devemos mentir. Ou então só devemos mentir quando estão a sofrer de deceções amorosas. “Ele no fundo gosta de ti, só que ainda não percebeu” é uma mentira aceitável quando alguém está a bater com a cabeça contra uma parede. Não sei se será muito útil, mas funciona como o vick vaporub. Aconchega.

Mas vamos à novela da Vanessa.

“Joana e Rui eram duas criaturas totalmente diferentes, mas uma noite de bebedeira opera milagres. Joana nem era muito de beber e só quando se divorciou, o que tinha acontecido há muito pouco tempo, é que começou a descobrir as maravilhas do Lux, respetiva varanda, respetivos gins tónicos, que já eram notáveis antes da moda e ela nunca tinha dado por isso.

O Rui era tímido, embora fingisse que não. As mulheres percebem tudo no primeiro encontro, mesmo quando estão bêbadas. Joana achou logo, apesar do excesso de gins tónicos, que os dois iriam acabar na cama. Quando o Rui propôs irem ao Porto, alinhou imediatamente. Estavam os dois bêbados e um deles ia conduzir. É uma coisa geracional: ignora-se a probabilidade de acidentes rodoviários sob o efeito do álcool como se ignora a probabilidade de contrair sida. Quando chegaram ao Porto, a Joana já tinha alugado um hotel na avenida da Boavista pelo booking. Era muito tarde. Subiram. Despiram-se. Já estavam quase nus quando a Joana de repente acordou:

– Acho que posso ficar grávida.

Vestiram-se outra vez. Foram procurar uma bomba de gasolina que pudesse estar aberta àquela hora e que vendesse preservativos. Encostado à janelinha da bomba, um terceiro bêbado tentava iniciar uma conversa com a Joana e o Rui. Ignoraram o bêbado, compraram os preservativos e voltaram para o hotel.

Estavam finalmente outra vez na cama e, pela segunda vez nessa noite, tinham tirado a roupa. Talvez a bebedeira tivesse passado à Joana, ou talvez não. Ou talvez fosse uma ressaca.

– Não, Rui. Não posso fazer sexo contigo.

– Não podes porquê?

– Acho que ainda não ultrapassei o divórcio. E se fizer amor contigo consumo a separação.

A Joana voltou a vestir a roupa a cheirar a tabaco e a álcool, pediu desculpa e tomou um xanax”.