Robert Mapplethorpe, o pornográfico tímido

Tinham passado precisamente 100 dias da morte de Robert Mapplethorpe, quando um irado e conservador senador, Jesse Helms, apelou ao senado norte-americano, aos gritos, que olhasse para as fotografias. “Look at the pictures, look at the pictures”, gritava, enquanto agitava uma fotografia a preto e branco com dois homens, vestidos de cabedal, aos beijos. Helms…

Vinte e sete anos depois, é esse um dos momentos marcantes do documentário que a HBO estreia a 4 de abril, cujo trailer já é possível ver online, e que presta homenagem a um dos espíritos mais provocadores da fotografia contemporânea. Realizado por Fenton Bailey e Randy Barbato, e produzido por Katharina Otto-Bernstein, “Mapplethorpe: Look at the Pictures” é antecedido por duas retrospetivas, no Getty Museum e no Los Angeles County Museum Of Art. E ainda para o verão de 2016 está agendado o arranque da produção de um biopic sobre a vida do artista.

“Até as suas mais chocantes e proibidas imagens foram incluídas sem serem desfocadas – ou seja, exatamente como o artista pretendia”, explicam os realizadores Fenton Bailey e Randy Barbato, sobre “Mapplethorpe: Look at the Pictures”.

Robert Mapplethorpe não era um homem que tivesse, ou promovesse, um olhar desfocado sobre a vida. Ou sobre a arte. Sempre provocador, testar os limites fazia parte da génese da sua arte, fosse a fotografar flores, rostos, nus ou fetiches. Aquilo que pode parecer comum hoje em dia, ganhou um significado muito distinto numa época onde o pudor ainda procurava dominar a arte.E os pensamentos. Acusado de promover a homossexualidade através da sua arte, numa altura em que a legislação anti-gay ainda existia, perversamente, o caráter de perseguido acabou por impulsionar a sua criação.

No documentário acompanha-se toda a vida do artista, nascido no seio de uma família profundamente religiosa, desde os primeiros anos em Nova Iorque, quando, em 1963, se inscreveu no Pratt Institute, em Brooklyn, para estudar desenho, pintura e escultura. Foi aqui que conheceu uma mulher que viria a ser fundamental na sua vida, a cantora Patti Smith. No final dos anos 1960 começou a tirar fotografias Polaroid aos seus amigos e conhecidos. Muitas dessas pessoas que marcaram a sua vida, estão presentes neste filme, que reúne mais de 50 entrevistas, entre as quais a Sam Wagstaff, David Croland, Lisa Lyon, Marcus Leatherdale, Jack Walls, Mary Boone, Carolina Herrera, Brooke Shields, Helen and Brice Marden, Fran Lebowitz, Bob Colacello e Debbie Harry.

Acabou por trocar a Polaroid pela Hasselblad e o seu trabalho foi progressivamente ganhando outras camadas. Se, por um lado, continuava a fazer exuberantes retratos de figuras da cena artística e da alta sociedade nova-iorquina – bem como autorretratos – por outro lado fotografava singelas flores. Mas o mesmo homem fotografava também imagens sexualmente explícitas, pornográficas, nas quais comunidades ostracizadas, como a homossexual, e práticas condenadas, como BDSM, ganhavam estatuto de arte.

Em 1986 foi diagnosticado com sida, numa altura em que a doença era ainda uma sentença de morte. A partir desse momento dedicou-se a preparar a sua saída de cena, realizando um sem número de trabalhos, tendo já em mente a realização da retrospetiva que o senador Jesse Helms viria a impedir. Robert Mapplethorpe morreu a 9 de março de 1988. Tinha 42 anos. Num dos seus últimos autorretratos, segurava uma bengala com uma caveira, já muito magro, tolhido pela doença. O olhar tímido, mas desafiante, mantinha-se.