Miguel Albuquerque: ‘O PSD tem de ter uma postura e um discurso diferentes’

Miguel Albuquerque defende que o PSD tem de construir uma alternativa com «outro discurso». O sucessor de Jardim garante que «as coisas mudaram» na Madeira.

Miguel Albuquerque: ‘O PSD tem de ter uma postura e um discurso diferentes’

O PSD vai ter um congresso no início do mês de Abril. Passos Coelho continua a ser a melhor solução para liderar o partido?

Acho que a questão da liderança, neste momento, não está em causa. Tenho um ótimo relacionamento com o dr. Passos Coelho. Acho que o partido tem de ter uma postura e um discurso diferente. Quando o governo assumiu o resgate fê-lo com a assinatura e com o acordo do PS, do CDS e do PSD. O resgate foi muito doloroso e é preciso levar em linha de conta que o país estava na bancarrota e foi uma tarefa muito árdua e muito difícil. Houve situações no plano de resgate que resultaram da folha de excel e não deram resultado. Portugal teve quatrocentas medidas impostas pela troika, algumas delas completamente idiotas. O resgate afetou muito a classe média e foram tempos muito duros.

 

O governo aceitou essas medidas. Passos Coelho não podia ter tido uma postura diferente perante as exigências que eram feitas pela troika?

Meu caro amigo quem se põe nas mãos dos credores você sabe como é. Podia ou não podia? Isso pertence ao passado. Mas houve de facto um esforço patriótico, porque é preciso ter determinação e coragem nestas situações. Nós fizemos o resgate, a troika saiu, mas temos um problema no país que é saber o que é que vai ser Portugal nos próximos dez anos. E, neste momento, o que o PSD tem de fazer é construir uma alternativa e um projeto de esperança para os portugueses. Com outro discurso e com ideias. Tem de pegar nas pessoas que podem levar Portugal a mudar.

Quem são as pessoas que podem ajudar a fazer essa mudança?

Os empresários, os universitários, os cientistas, pessoal da cultura… OPSD tem que agregar as classes mais dinâmicas da sociedade para fazer essa mudança. Não se vai fazer essa mudança com apparatchiks e nós temos uma geração fantástica de criadores, cientistas e empresários. Portugal tem de se virar para o exterior e fazer aquilo que a Holanda faz. A Holanda tem 17 milhões de habitantes, é do tamanho do Alentejo, mas é hoje uma potência exportadora.

 

Não vê hoje essa alternativa no PSD?

Esse é que é o desafio que se coloca ao dr. Passos Coelho. O PSD é um partido dinâmico e tem de fazer este discurso e liderar mudanças consistentes. Dou-lhe um exemplo: um dos setores mais importantes hoje em Portugal é o turismo e não temos um ministro do turismo. O turismo nunca foi pensado em termos estratégicos. Não temos hoje um instrumento de internacionalização das empresas portuguesas. A discussão é quase toda feita à volta do Estado, mas Portugal não é só o Estado.

 

Olema com que Passos Coelho se apresenta nesta reeleição é “social-democracia, sempre!”. O partido virou à direita enquanto esteve no governo?

Dizem que o PSD é liberal. Como é que o PSD é liberal se a despesa pública aumentou durante a intervenção da troika? Você não consegue ter nenhuma sociedade desenvolvida se não tiver o princípio da coesão social. Para mim, o desenvolvimento de um país não se pode medir a olhar para o PIB.

Temos de saber também como é que as pessoas vivem. Como é que os idosos são tratados, como é que as crianças são tratadas, se há discriminação ou não interterritorial e social e Portugal teve um grande avanço, mas ainda é um país muito fragmentado. E temos um problema, que é gravíssimo, que é a situação dos nossos venerados, entre aspas, gurus da finança, porque o chamado mercado desregulado na área financeira deu o resultado que deu e ninguém vai preso.

 

Está a falar da situação em Portugal?

Sim. É uma pouca-vergonha. Ninguém vai preso, nem ninguém é responsabilizado. Ainda esta semana recebi pessoas que tinham investido toda a sua vida de trabalho em obrigações e que no dia seguinte não tinham lá dinheiro nenhum. E ninguém é responsável por nada, parece que a culpa é das pessoas. A sociedade portuguesa perdeu um princípio de humanidade e temos um conjunto de vacas sagradas em que ninguém toca, ninguém é responsável, nem se chama as coisas pelos nomes. Temos que começar a chamar as coisas pelos nomes.

 

De quem é a responsabilidade?

Há um problema de irresponsabilidade absoluta das entidades reguladoras. Para que é que servem?

 

Qual é a solução para evitar que sejamos sistematicamente confrontados com estes problemas na banca portuguesa?

A solução é política. É preciso aumentar a regulação, introduzir transparência nos processos. Hoje não há transparência nos processos e as entidades fiscalizadoras têm de ser responsabilizadas por omissão e por falta de fiscalização. Isto é uma situação que tem de ser resolvida a nível europeu e a nível nacional. Tivemos o problema do BPN, depois o problema do BES, do Banif… O que é que se passa neste país? E depois custa-me ver tipos que vão para a televisão dizer que é o povo é que não trabalha, que o povo português tem que ter menos direitos… Isto é preciso ter uma lata. É inaceitável. Isto só ajuda a criar ressentimentos e a criar populismos e extremismos. A salvaguarda da democracia passa por uma gestão rigorosa e equitativa dos direitos.

A austeridade imposta aos países como Portugal não ajudou também a criar esse sentimento de revolta?

O país estava à beira da falência. Isso não significa que a União Europeia não pudesse ter encontrado outras soluções. Isso teria sido importante, porque hoje em dia há objetivos maiores que têm de ser olhados com mais atenção. A relação desequilibrada entre os países do Norte e do Sul da Europa é fatal para a União Europeia. O projeto europeu sempre foi um projeto de solidariedade e transformou-se num projeto em que cada país só pensa nos seus interesses e isso vai levar à desintegração absoluta da União Europeia.

Há esse risco?

A União Europeia deixou de ter um projeto político e também deixou de ter memória. As novas gerações perderam a memória e o exercício de memória é importante porque a União Europeia foi construída por homens e mulheres que sofreram a devastação da guerra e isso fez com que a União Europeia surgisse como um projeto com objetivo políticos.

Foi apoiante de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência da República. O que espera deste novo Presidente?

O papel do Presidente da República vai ser muito importante na determinação dos equilíbrios. O Presidente da República vai ter um papel muito importante na definição de uma estratégia nacional de afirmação de Portugal no mundo e no apoio à ciência, à cultura e à inovação. Portugal ainda tem défices de formação muito grandes. Temos uma sociedade com défices estruturais de formação e de qualificação que são hoje muito problemáticos no contexto de uma economia moderna. Há um esforço que tem de ser feito e essa é uma área em que o dinheiro tem de ser bem aplicado. O Presidente eleito já decidiu visitar a região no dia 1 de Julho, que é o dia da região autónoma da Madeira. Penso que vamos ter um ótimo relacionamento.

O CDS já disse que tencionava ir a eleições sozinho, ao contrário do que aconteceu nas últimas eleições em que houve uma coligação. Julga que é a melhor solução para os dois partidos?

Temos que esperar, mas neste momento é decisivo que no próximo congresso o PSD apresente um projeto de esperança para o país. Um projeto inovador. O PSD pode dizer: nós vamos resolver a dívida. Mas isso é apenas um passo para um objetivo. Não é uma meta. A política exige uma componente de irracionalidade e uma componente afetiva que mobilize as pessoas. As pessoas têm de ser mobilizadas. Essa é a função da política.