Trump e Pinto da Costa num país que já não é de poetas

1. Cavaco Silva, o nosso Salazar democrático, permitiu que surgissem António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa. Não como figuras distintas (felizmente, não precisariam de tão grandiosa figura para se cumprirem), mas como personagens do seu tempo.

Aconteceu múltiplas vezes na história: após um líder austero, os países precisam de respirar fundo, de descontrair e recuperar o amor-próprio e a auto-estima. Depois de um Cavaco primeiro-ministro, a ‘razão e coração’ de Guterres permitiram-no. E, depois de Cavaco Presidente, o país leva justamente em ombros a sua antítese, Marcelo.

Se a ele somarmos Assunção Cristas, nova líder no CDS, concluímos que os portugueses entraram num novo ciclo: políticos de rosto humano, capazes de um abraço e de escutar os sons fora do palácio. Passos Coelho deixou de ter margem, como os peixes fora de água.

2. Nos EUA, o candidato republicano será Donald Trump – a não ser que as elites da direita americana consigam, num golpe de teatro, salvar a face do partido. Interessante perceber que não há nenhuma figura de direita portuguesa que apoie o candidato da direita americana, votariam todos em Hillary Clinton. Ao menos isso.

3. O problema de Portugal com as empresas financeiras, como a Morgan Stanley, é que não nos vão facilitar a vida. Com este governo ou qualquer outro. Querem que o pior nos aconteça por ser a única forma de provarem que tinham razão.

Estas empresas e as agências de  notação,  oráculos  deste  tempo, dependem do acerto das suas previsões. E protegerão os seus interesses, estimativas e rankings até ao limite dos limites. Do lixo só sairemos se eles forem obrigados. Cada um está por si. E cheira mal.

4. Portugal é o país com a menor taxa de nascimentos neste século em toda a União Europeia. Números impressionantes, uma calamidade que nos coloca de costas para o futuro. Quem disse que somos um país de poetas?

5. Pinto da Costa continuará a ser presidente do FC. Porto. Nenhum dos seus opositores concorrerá, o velho guerreiro continuará como sempre a cantar a solo.

É certo que algumas vozes se levantam – Vítor Baía, Miguel Sousa Tavares, Carlos Abreu Amorim, Rodolfo Reis, Pedro Marques Lopes – mas com exceção de Miguel todos atiram uma pedra e logo a seguir pedem desculpa por isso. Do género, ‘as coisas estão mal, os tipos à volta do presidente são isto e aquilo, há muita gente milionária a ganhar à conta, mas o nosso líder é ainda a melhor pessoa para resolver o que há para resolver’.

Fico comovido, mas os princípios desta gratidão são parecidos aos que os norte-coreanos com opinião têm pela nomenclatura dirigente.

6. Elena Ferrante é uma grande escritora italiana. Presume-se que de Nápoles, não se sabe ao certo. Vende muitos milhares de livros. É aplaudida pela crítica mundial. Recebe prémios e honrarias. E dá muito poucas entrevistas, por escrito claro.

De vez em quando, especula-se que pode ser uma pessoa ou outra, nunca se confirma. Um pouco à semelhança de Bansky, artista de rua mundialmente reconhecido mas não conhecido na sua identidade, Ferrante é uma personagem contrária a lógica de um tempo que exige que tudo esteja à mostra.

Podiam ter o mundo a seus pés e viver com o fausto dos reis, mas preferem fazê-lo incógnitos e irreconhecíveis como qualquer anónimo numa estação de autocarro. Não é fácil. Não é certamente simples. Não é certamente menos que grandiosamente contra a corrente.  

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