Inquérito ao Banif: Carlos Costa debaixo de fogo

    

O governador do Banco de Portugal (BdP) está debaixo de fogo na Assembleia da República. A comissão parlamentar de inquérito ao Banif começa as audições hoje e já ameaçou queixar-se de Carlos Costa ao Ministério Público caso o BdP não entregue o relatório de autoavaliação no caso BES, que já foi pedido duas vezes pelo Parlamento.

As audições começam esta segunda-feira. Entre a documentação pedida e recusada pelo regulador, sob o argumento da confidencialidade e sigilo profissional, está uma auditoria interna que o BdP fez à sua própria atuação no caso BES.

O trabalho de autoavaliação teve o apoio técnico do Boston Consulting Group. É um documento de 600 páginas que, tudo indica, aponta críticas e falhas à atuação do supervisor no caso BES. O documento levanta também dúvidas ao longo de 10 anos, o que implica um escrutínio também à atuação do anterior governador Vítor Constâncio, atual vice-presidente do Banco Central Europeu, em Frankfurt.

O deputado comunista António Filipe, que preside à comissão, deixou um aviso: lembrou que estão previstas «consequências legais» se a documentação não for entregue,  sem especificar.

O deputado social-democrata Carlos Abreu Amorim diz que espera receber os documentos até ao início desta semana, salientando que, caso os documentos cheguem apenas depois da audição dessas entidades, «a comissão pode voltar a chamar aqueles que já foram ouvidos».

A audição de Carlos Costa promete assim momentos de tensão. Está marcada para 5 de abril, a seguir a Vítor Gaspar, sendo que o ex-ministro das Finanças ainda não confirmou presença.

Queixas de lesados

Enquanto Carlos Costa está sob fogo cruzado, a associação de Lesados Banif, que reúne cerca de 500 clientes do banco madeirense, já garantiu que vai entrar com uma ação de impugnação da resolução e divisão de ativos. Ao apresentar esta ação, os lesados asseguram que o fecho e posterior venda dos ativos bons do Banif se tornem atos não definitivos, podendo desta forma avançar com ações cíveis contra o Santander Totta, alvo enquanto ‘herdeiro’ dos ativos do Banif considerados pelo Banco de Portugal como transferíveis.

Estas ações só deverão entrar nos tribunais no próximo mês de maio, já que a associação quer analisar primeiro as intervenções e audições na comissão parlamentar de inquérito. Só a partir daí é que poderão avançar para as instâncias. 

Já esta semana o BdP tinha admitido que estava a receber uma série de queixas de clientes do Banif que contratualizaram com a instituição financeira vários produtos de investimento. Perante este cenário, a entidade liderada por Carlos Costa tem remetido as reclamações à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Recorde-se que, ao contrário do que aconteceu com o Banco Espírito Santo ­– em que a maioria dos clientes alegavam não ter conhecimento do tipo de aplicação que tinham subscrito ­– no caso do Banif a resolução afetou detentores de algumas obrigações do banco,  já que houve uma inclusão da dívida sénior.

Aliás, fontes europeias já admitiram que, se o Estado tivesse optado por imputar perdas aos investidores com obrigações séniores conseguiria ter poupado até mil milhões de euros no montante que injetou no Banif. Um número que chegou a ser negado pelo ministério das Finanças ao garantir que «a participação de dívida sénior na cobertura de prejuízos atingiria no máximo 169 milhões de euros e qualquer valor superior implicaria a perda de depósitos».

Recorde-se que o Estado pagou 2.100 milhões para o banco que pertence ao grupo espanhol Santander ficar com a atividade bancária tradicional do Banif. Entretanto, foi criado um veículo de gestão de ativos para ficar com o que o Santander Totta não quis adquirir, chamado inicialmente de Naviget mas entretanto com a denominação alterada para Oitante. O Banif é, agora, uma entidade que vai para liquidação, onde estão as posições acionistas e da dívida subordinada.

Um processo que chegou a ser classificado pelo Executivo de difícil gestão, uma vez que, «decorreu sob condições extremamente difíceis, dada a existência de ajuda de Estado não autorizada e o pouco tempo disponível para encontrar uma solução que protegesse as poupanças e a confiança no sistema financeiro português».

Postos de trabalho em risco

Carlos Costa já descartou qualquer responsabilidade sobre a manutenção dos postos de trabalho dos funcionários do Banif que passaram para o Santander Totta ou para o fundo Oitante, sociedade veículo que ficou com os ativos do Banif que não foram, depois da sua resolução, para o banco espanhol.

Esta resposta vem na sequência de dois requerimentos apresentados pelo grupo parlamentar do CDS-PP ao BDP, que pretendiam esclarecer dúvidas em relação aos antigos trabalhadores do Banif. O primeiro desses requerimentos diz respeito às promessas feitas pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças, que garantiram que «os direitos laborais serão respeitados» e que os trabalhadores teriam os seus «direitos intocados».

O CDS pretendeu desta forma saber junto do órgão regulador se estava «em condições de garantir que todos os postos de trabalho, isto é dos 1000 trabalhadores que foram transferidos para o Santander e os dos 500 trabalhadores que foram transferidos para o veículo financeiro, estão totalmente seguros e que não serão colocados em causa».

Uma realidade que, no entender do Banco, será da responsabilidade das partes envolvidas. «O cumprimento desses contratos, bem como qualquer eventual modificação dos mesmos, caberá às partes, nos termos da legislação laboral aplicável e de acordo com o estipulado nas relações contratuais aplicáveis, não estando cometidas ao Banco de Portugal competências sobre essa matéria».

Já o segundo requerimento dizia respeito aos trabalhadores da Açoreana. No entanto, esta situação é distinta à dos colaboradores do Banif, uma vez que, a seguradora não foi abrangida pela medida de resolução.