Quatro mulheres e um homem

       

Cristas: a anti-Portas

Há muitos anos, no meio de um daqueles cíclicos melodramas em que Paulo Portas se envolve, Maria José Nogueira Pinto disse-me o seguinte: “Sabe, o Paulo tem um problema: como líder de um partido conservador, gostava de usar sobretudo e de ter uma família. Mas isso não é possível”.

Muito tempo depois, o CDS tem finalmente um (uma) líder com uma família tradicional: marido e três filhos. E que, além disso – que não é pouco -, é praticamente o oposto de Paulo Portas em tudo. Cristas é mesmo uma anti-Portas. Enquanto Portas era maquiavélico, Cristas é simples e genuína; enquanto Portas é emocionalmente instável, Cristas parece emocionalmente equilibrada; enquanto Portas é imprevisível, Cristas aparenta ser previsível; enquanto Portas é um fora-de-série, Cristas é uma pessoa normal.

No caso do CDS, a questão que se vai colocar não é a mudança de posicionamento político do partido – é a mudança radical de personalidade do líder.

Quanto ao sucesso ou insucesso de Assunção Cristas, é impossível de prever. Sendo muito diferente do tipo de político a que estamos habituados, todos os prognósticos são possíveis. O seu sucesso e longevidade são um enorme ponto de interrogação.

Maria Luís: que políticos queremos?

Ao aceitar o convite de uma multinacional da área financeira, Maria Luís Albuquerque levantou uma onda de críticas. Umas (as da esquerda) oportunistas e desagradáveis; outras (as da direita) envergonhadas. Mas tudo isso faz parte da política – e as reações mostram que Maria Luís não deveria ter aceitado o cargo.

Falou-se, talvez com razão, na necessidade de os ex-ministros observarem um ‘período de nojo’. Recordo que o presidente da Comissão Europeia, após deixar o cargo, recebe durante dois anos o salário que recebia em exercício de funções, exatamente para não ser obrigado a trabalhar. Mas os nossos ministros não recebem nada. E Maria Luís Albuquerque tem uma família para sustentar, além de que não vai ganhar nenhuma fortuna: são 60 mil euros brutos por ano, uma bagatela comparada com os 2,5 milhões que Mexia ganha na EDP (embora os cargos não sejam comparáveis).

Mas a principal questão que este caso levanta é outra: que tipo de ministros queremos – políticos profissionais, que dançam de pasta em pasta e ao longo da carreira se vão agrupando em lóbis (como a Maçonaria), ou pessoas que têm a sua profissão e ocupam episodicamente um cargo governativo? Eu prefiro os segundos. E, sendo assim, é legítimo que voltem a trabalhar na sua área depois de deixarem o Governo.

Dilma: a promiscuidade dos poderes

Ao dar o braço a Lula para o pôr fora da alçada da Justiça, Dilma Rousseff juntou a fome à vontade de comer. Antes, ela e Lula dividiam a contestação; agora constituem um alvo único. E cairão juntos.

Toda a história de Lula da Silva faz irremediavelmente lembrar a de José Sócrates – com a diferença de que António Costa não convidou este para o Governo, antes se demarcou dele. E bem.

Mas o que se passa no Brasil alerta sobretudo para os perigos da promiscuidade entre política e justiça. Quando os poderes do Estado não se respeitam, um país desacredita-se perante os cidadãos e perante o mundo. Nos países democráticos, os vários poderes têm de se respeitar mutuamente.

Em Portugal, vimos como a situação se degradou quando Sócrates começou a querer condicionar a justiça, a banca (Armando Vara na CGD foi só um exemplo), as televisões e os jornais. E o recente ataque de António Costa ao governador do Banco de Portugal ou as suas manobras na banca também não auguram nada de bom.

Portugal precisa de investimento como de pão para a boca – e ninguém investe num país onde os poderes se misturam. Pelo menos, os investidores sérios.

Mortágua: bem-vinda ao mundo real

A atitude do Bloco de Esquerda ao aprovar (com o PS e o PCP) um Orçamento do Estado que respeita o Tratado Orçamental e fere muito daquilo que o BE andou a pregar durante anos a fio, mostra que este partido começa a adaptar-se ao mundo real, depois de anos a viver no mundo virtual da ideologia.

No tempo do Governo anterior, quando a Standard & Poors melhorou o nosso rating, Mariana Mortágua gritou que não reconhecia “legitimidade” à agência para intervir nos assuntos internos de Portugal. Ora, quanto não daria hoje Mariana Mortágua para a Standard & Poors ter melhorado na semana passada o nosso rating de Portugal? É que, se isso tivesse acontecido, o Orçamento que o BE viabilizou poderia ter algum futuro. Inversamente, se o rating vier a baixar, isso fará disparar os juros e tornará o Orçamento um exercício irrealizável.

Entretanto, esta adaptação do Bloco de Esquerda ao mundo real é irreversível. O PS passará no futuro a ter no BE um parceiro à esquerda, como o PSD o tem à direita no CDS. A divisão esquerda-direita em Portugal vai acentuar-se. Quanto ao PCP, acho que vai sair da geringonça e no futuro ficará fora dela, como um partido de protesto.

Marcelo: padrinho de Costa

António Costa falou com Isabel dos Santos sobre assuntos da banca. Passos Coelho reagiu, dizendo que o primeiro-ministro não se deve meter nos negócios privados. Marcelo saiu em auxílio de Costa, dizendo que está em causa o interesse nacional.

Se isto se passasse há um ano, com Cavaco a apoiar Passos Coelho, o que se diria? Que o PR estava a ser cúmplice do Governo. E o que se diz hoje? Que o líder da oposição (Passos Coelho) ficou isolado. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

A esquerda ficou feliz com este episódio, a direita ficou irritada. Mas há outras maneiras de ver o que se passou. Ao sair em apoio de Costa, Marcelo como que disse aos portugueses: “Ele foi injustamente atacado e eu venho defendê-lo”. Ou seja: Marcelo assumiu-se como uma espécie de ‘padrinho’ do primeiro-ministro, protegendo-o.

Mas não é esta a situação que Costa deseja. Costa não quer ser visto como ‘afilhado’ de Marcelo. Não quer que se pense que precisa do Presidente para se defender. Quer mostrar que sabe defender-se sozinho.

Marcelo e Costa vão entrar em choque, mais tarde ou mais cedo, exatamente por esta razão.

 Marcelo quer aparecer como o patrono do Governo, como aquele que resolve os problemas, como a figura que domina o espaço mediático. Ora António Costa também precisa de protagonismo e não pode permitir que Marcelo Rebelo de Sousa ocupe o espaço sozinho. O despique promete.