Vanessa quer casar com o Presidente da República

A Vanessa concluiu que, tal como o resto do país, está apaixonada por Marcelo Rebelo de Sousa. A diferença é que ela acha que vai conseguir casar com o Presidente e já está a delinear uma estratégia de política dos afectos para se tornar “primeira dama”

E agora que a minha vida mudou e passei a trabalhar na maravilhosa rua do Açúcar, acho que a minha paciência para aturar malucos também vai aumentar. É um imperativo. Tem que ser. Eu sei que para mim aturar a Vanessa é às vezes um esforço, mas vou ter que ter (mais) pachorra. Aquelas conversas todas sobre gajos que não interessam a ninguém cansam-me profundamente. Mas eu vou conseguir. Vou ter que ser compreensiva. Uma boa pessoa. Não bocejar quando ela me fala do ultimo gajo que conheceu no Viking que, pelo menos, ao contrário do Tokyo e do Jamaica, não vai fechar.

Ia eu animada com estes bons sentimentos de ser mais paciente, tolerante, capaz de me pôr no lugar do outro, ser solidária até na parvoíce, entender que por trás de um grande idiota há sempre uma alma carente, eventualmente com problemas pessoais delicados, etc. quando, mal cheguei à tasca onde tínhamos combinado almoçar, ela me atira, sem qualquer introdução, isto:

– Quero casar com o Marcelo.

– Oh, pá.

– O Marcelo precisa de mim. E eu acho que consigo seduzir o Marcelo e convencê-lo a casar comigo.

– Tu ‘tás’ mas é maluca!

Não posso dizer que fiquei em estado de choque porque já nada disto me põe em choque. A Vanessa poderia querer casar com o Hollande, que é um mono – e ninguém sabe como foi possível ter andado com tantas mulheres bonitas, a começar na Ségolène. Podia querer casar com o David Cameron, que é um milhão de vezes menos sexy que o velho socialista Corbyn e até já é casado. O Marcelo tinha a vantagem de não ser casado.

A Vanessa insistia que estava mesmo a falar a sério.

– Eu estou apaixonada pelo Marcelo. Cada vez que ele aparece na televisão, o meu coração desata a bater. Sinto-me feliz, estás a ver? Contente, mesmo contente! E isso é estar apaixonada!

– Pois, és tu e o país inteiro.

– Mas comigo é sério. Com o país nunca se sabe.

Marcelo Rebelo de Sousa era o sedutor-mor da República. Toda a gente estava enlevada com o novo Presidente. As pessoas sorriam agora mais um bocadinho do que antes, até porque Marcelo sorri e é mais fácil ser feliz com alguém que ri para nós. E o Marcelo ri-se. Dá mimos.

– Vanessa, tens consciência de que não podes casar com o Marcelo, não tens?

– Não percebo porque não.

– O Marcelo não casa com ninguém! E tem uma namorada, a Rita Amaral Cabral.

– Uma coisa é não ter casado com ninguém até agora. E, como dizia a Manuela Ferreira Leite, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O Marcelo não casou com ninguém até agora, mas pode muito bem casar comigo.

Eu expliquei a questão católica. Para o Presidente, o casamento era indissolúvel. O divórcio não o tornava livre para voltar a casar.

A auto-estima da Vanessa era uma coisa difícil de compreender. Ela estava sinceramente convencida de que Marcelo Rebelo de Sousa se iria encantar ao ponto de a transformar em “primeira-dama”, um cargo que foi “extinto” e do qual ninguém sente falta.

A Vanessa iria ter uma desilusão. Nesta fase do campeonato Marcelo estava disposto a tudo para seduzir, mas eventualmente não disposto a tudo para ser seduzido. Um dia a paixão Marcelo-povo poderia acabar, como todas, mas o Presidente estava empenhado em ser bem sucedido na sua política, o afecto, que se estava a revelar o único programa verdadeiramente sedutor.

– Eu vou conseguir que o Marcelo se apaixone por mim. Eu sou tão boa como ele a arranjar uma estratégia para as pessoas gostarem de mim. Ele não resistirá à minha política do enormíssimo afecto!!!!