Com quantas lantejoulas se tece uma cantora?

As lantejoulas são aquela coisa que, isoladas, pouco mais do que uma pequena circunferência com um furinho parecem. No entanto, se forem muitas, todas juntas, ganham nuances de cor, refletem a luz, criam padrões. Sequin, lantejoula em inglês, começou por ser um projeto a solo de Ana Miró. Mas mesmo sendo essa lantejoula solitária, a…

Para Ana Miró tudo na música aconteceu ao contrário. Cresceu em Évora sem saber o que queria fazer da vida, mas ainda assim sempre a fazer teatro amador. Por isso, na dúvida, quando teve de escolher um curso, foi para Teatro. E continuou a representar. Mas ao mesmo tempo, que isto de viver longe dos grandes centros aguça o engenho, “ia cantando”, com uma banda de amigos, a The Ballis Bands, que, a brincar, já cumpre este ano uma década. Nessas brincadeiras, foi percebendo que “sabia cantar”. E que gostava. Ao contrário do curso, que cada vez a desiludia mais. Desistiu do curso, desistiu de representar, desistiu de cantar, desistiu de Évora e veio para Lisboa. Trabalhar, é certo, mas em recursos humanos, área que acabou por descobrir que adora. “É estranho mas descobri que adoro burocracias e papeladas”.

Mas no meio das pilhas de papéis descobriu também um mundo cultural muito mais acelerado do que aquele que tinha em Évora. De repente, “todos os dias ia ver espetáculos, conhecer coisas novas”, sobretudo na área da música. E a vontade de cantar foi voltando a ganhar força, sobretudo porque muitos dos amigos que foi fazendo eram da área da música, como é o caso de Jibóia, com quem colaborou inúmeras vezes. Só que este sentimento de precariedade na procura daquilo que realmente queria fazer começou a irritá-la. “Não queria ser aquela pessoa que estava sempre a mudar de ideias e a mudar de emprego”. Regresso a casa, a Évora e aos conselhos da mãe. Os mais sábios, sempre. “A minha mãe disse-me que eu tinha de me aceitar”.

Foi o que fez, aceitou-se como Ana Miró, como cantora e assim nasceu Sequin, muito graças ao encontro com Moullinex. Foi o músico que lhe disse ‘tens de vir ao meu estúdio gravar qualquer coisa’. Assim foi, só que o qualquer coisa virou um álbum, “Penélope”. “Antes do álbum só tinha lançado um original e um cover, muito pouca gente a primeira coisa que lança é logo um álbum, como me aconteceu”, admite. “Só que estávamos em estúdio e a seguir a uma música, surgiu outra e outra e outra.” O sucesso foi quase imediato e, de repente, todos pareciam saber cantarolar o refrão sedutor de “Naive”. E todos queríamos dançar com esta miúda que ninguém conhecia mas que todos queriam conhecer. Ainda assim, Ana não se deixou tomar de assalto: “Não senti todo o entusiasmo como uma ameaça à minha estabilidade como criadora.”

Talvez não tenha sentido essa ameaça, mas sentiu necessidade de travar, de recuperar o controlo. Por isso, quando se esperava mais um sucesso dançável, Sequin acabou de lançar “Éden”, um EP e não um álbum. “O álbum aconteceu muito depressa, mas depois senti necessidade de parar um bocado. E lembrei-me de músicas que tinha feito há uns anos e que gostava de materializar. Tinham ficado na gaveta. Eram músicas da minha adolescência, coisas que tinha de tirar do meu peito. Daí a carga pesada que agora se sente neste trabalho e que não existia no ‘Penélope’. Foi difícil para mim revisitar esses sentimentos, mas achei que era importante fechar esse capitulo. Precisava de voltar atrás para saber o que fazer a seguir. Para dizer a mim própria ‘lembra-te sempre de onde vieste’”. E a verdade é que Ana parece nunca se esquecer, seja pelo seu sotaque alentejano, que ainda que suavizado pelos anos que já leva em Lisboa, nunca a abandona; seja pela tal forma como se transforma em muitas lantejoulas, daquelas com nuances de luz, sempre que fala de música.