Anders Roslund e Stefan Thunberg. O destino é uma coisa para se contornar

Violência gera violência. Um filho de um pai agressivo virá, um dia, a ser um pai agressivo. Um filho de um pai ladrão será, ele próprio, um ladrão. São estas as regras do destino, essas algemas sem chave. Mas as regras existem para serem quebradas, contornadas. Sobretudo as regras do destino.

O destino de Stefan Thunberg parecia definido. Filho de um pai agressivo e criminoso, seria facilmente esse o seu caminho, tal como foi para os irmãos mais velhos. Mas não foi. Stefan fintou a sua sina. Tal como Anders Roslund, também ele filho de um pai violento. Foi, no entanto, esse destino enviesado que fez com que se cruzassem.

Nos anos 90, a Suécia foi palco da maior vaga de assaltos que o país alguma vez viu. Para a história, o grupo ficou conhecido como Gangue Militar, tendo sido condenado à maior pena de prisão que o país alguma vez tinha visto. Stefan e Anders cruzam-se devido a esta história de crime: o primeiro era o mais novo da família que constituía o Gangue Militar, o segundo era um dos jornalistas (e mais tarde escritor) que investigava a história. Ao longo de quase 20 anos, entre os dois desenvolveu-se uma amizade que agora se materializou sob a forma do livro “O Pai” (ed. Planeta), que conta, ainda que de forma ficcionada, a história dos três irmãos e do pai que constituíram o Gangue Militar, mas também do filho que fintou esse destino, Stefan. “Já tinha tomado a decisão de contar esta história há muito tempo. O que não tinha era o timing, foi importante que tivessem passado estes 20 anos. Tal como foi importante ter-me cruzado com o Anders”, explicou Stefan ao B.I., na sua passagem por Lisboa. “Estes 20 anos foram necessários também para tentar entender o que se tinha passado. Era necessário esse período de luto. E também era importante da esse tempo aos que foram feridos nos assaltos”, acrescenta.

Ainda assim, a verdade é que a decisão de contar esta história foi tomada, ainda que de forma inconsciente, no momento em que a polícia prendeu todo o Gangue Militar. Uma noite que Stefan nunca esquece. “Na antevéspera de Natal, cheguei a casa, liguei a televisão e estavam a falar da fuga de três assaltantes. Percebi que eram, dois dos meus irmãos e o meu pai. Nas horas que se seguiram vi todos os serviços de notícias, vi como os polícias os perseguiram até uma zona de bosque e os rodearam numa cabana. Senti-me exausto e com medo e lembro-me que, por volta da meia-noite, decidi ir-me deitar porque já não aguentava mais. Deitei-me a pensar que eles iriam morrer naquela noite. Mas não morreram, foram presos. Toda esta recordação, que era dramática, esteve sempre na minha memória, todos estes anos. Mas aquilo em que mais pensava era o que é que eles disseram um ao outro em todas as horas que passaram presos naquela cabana. E porque tinham decidido fazer aquele último assalto. Não conseguia entender e não conseguia parar de pensar nisso, essa foi sempre a grande questão para mim. E quando comecei a falar com o Anders sobre isto, ele próprio me disse que essa era a batida do coração desta história.” A história que se conta em “O Pai” é, de facto, uma história sobre uma família, e sobre “a condição humana”.

Stefan era ainda um adolescente quando os seus irmãos e o pai começaram a assaltar bancos. Apercebeu-se do que se passava logo no primeiro assalto, quando os viu a contar dinheiro na sala de estar da casa de família. Tem hoje o distanciamento para assumir que se sentiu “excluído”. E por isso mesmo quis participar no assalto seguinte. “Senti que eles faziam parte de um filme que eu nem podia ver. E perguntei ao meu irmão mais velho se podia participar. Ele disse que sim e começaram a preparar o próximo assalto, a um banco. Mas na altura eu estudava artes em Estocolmo e percebi que não era aquela pessoa. E liguei ao meu irmão a dizer que não podia participar. Ele ficou em silêncio e disse-me: ‘Não podias ter dito isso antes? Agora vou ter de repensar todo o assalto’.” Hoje não tem dúvidas que, se não tivesse esse interesse pelas artes, que mais tarde o transformou em guionista, a sua vida teria sido igual à vida dos irmãos e do pai, que acabaram presos durante mais de dez anos. Stefan nunca deixou de os visitar e, quando, juntamente com Anders, dois anos e meio depois do arranque, terminou a escrita do livro, deu ao irmão mais velho e ao pais para que o lessem. Ambos o odiaram. O pai morreu antes de mudar de ideias, o irmão, ao fim de oito meses, reconheceu que adorava o livro e os dois têm hoje uma relação muito próxima.

Num país onde este tipo de romances criminais soma sucesso atrás de sucesso, este “O Pai” promete ser o mais internacional dos sucessos: os direitos do livro já foram comprados pela Dreamworks e a realização ficará a cargo de Steven Spielberg. No entanto, nem Stefan Thunberg nem Anders  Roslund contam estar na plateia para a estreia. Já estão mais preocupados com o livro seguinte, “O Filho”.