O ‘saco azul’ do GES escondido 21 anos no Panamá

Durante mais de duas décadas, o Grupo Espírito Santo conseguiu esconder de tudo e todos a E.S. Enterprises, que o Ministério Público suspeita agora ter sido o “saco azul” do GES. Escondeu a empresa e escondeu um emaranhado de outras de 300 sociedades offshore por onde terá passado muito dinheiro e propriedades. O objetivo? Segundo…

O ‘saco azul’ do GES escondido 21 anos no Panamá

O “saco azul” que desmente Salgado

Desde que foi criada, em 1993, pela E.S. Enterprises passaram 300 milhões de euros. A empresa suspeita no âmbito das investigações ao universo Espírito Santo serviu para entregar dinheiro e património de forma oculta a várias pessoas e empresas, cuja identidade ainda não é conhecida. Isto porque em causa estavam esquemas financeiros muito complexos e a maioria deles fora de Portugal.

A empresa, que nunca constou nos relatórios e contas do Grupo Espírito Santo, foi constituída pelo Conselho Superior do GES.

De acordo com a vasta documentação analisada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, e que inclui cerca de uma centena de documentos sobre esta empresa, a E.S. Enterprises tinha como presidente Ricardo Salgado e como vice-presidente José Manuel Espírito Santo. Constam de todos os papéis relativos a esta empresa assinaturas de todos os membros do Conselho Superior.

Como e onde foi criado

Este “saco azul” do GES foi criado em 1993 com recurso a uma offshore sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, a Trident Trust Company. A sua ligação à Mossack começa muitos anos mais tarde, em 2007. É neste ano que se decide mudar a gestão fiduciária da Enterprises para a sociedade de advogados fundada por Jürgen Mossack e Ramón Fonseca.

A mudança obrigou a que toda a documentação da empresa, desde a sua fundação, migrasse para o Panamá, constando agora dos registos a que o consórcio de jornalistas teve acesso.

As trocas de emails e as atas encontradas nos mais de 11 milhões de documentos revelam ainda algumas contradições em relação ao que Ricardo Salgado e José Manuel Espírito Santo disseram no final de 2014 na Comissão Parlamentar de Inquérito.

Apesar de constar como vice-presidente, José Manuel Espírito Santo disse nessa altura desconhecer a Enterprises, alegando que o conhecimento que tinha era do que tinha saído na comunicação social.

Contactado agora pela TVI e pelo Expresso, disse: “A memória e o conhecimento que tinha quando fui ouvido na Assembleia da República é o mesmo que tenho hoje, ou seja, trata-se de uma entidade da qual nada sei”.

Uma encruzilhada de centenas de offshores

Mas as contradições também apanharam Ricardo Salgado, que perante os deputados apresentou a E.S. Enterprises como uma empresa criada para “regularização dos serviços partilhados do grupo” e para “prestação de serviços à área financeira”.

Esta investigação jornalística descobriu que a E.S. Enterprises era na verdade detentora de várias offshores que, por sua vez, detinham outras offshores. Um esquema em pirâmide.

Uma das sociedades citadas no trabalho da TVI e do Expresso é a Blygor Properties Inc. criada pela Mossack Fonseca por incumbência da Eurofin – sociedade do GES que também está na mira dos investigadores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Sobre a Eurofin recaem suspeitas de ter sido uma plataforma através da qual se facilitava a passagem de dinheiro do BES para elementos próximos da família.

Para exemplificar a complexidade da teia, o Expresso refere que a Blygor Properties detinha outra offshore, a Blygor KFT, que por sua vez detinha um projeto imobiliário na Hungria.

Outras das offshores detetadas neste esquema e relacionadas com o universo Espírito Santo foram a Polyreal S.A.L. e a Paison Holdings Limited.

Confrontado com todo este esquema e com o facto de a Enterprises ser muito mais que uma mera prestadora de serviços, Ricardo Salgado não quis prestar quaisquer declarações resguardando-se no segredo de justiça que cobre as investigações ao universo Espírito Santo.

300 offshores ligadas ao GES

Nos registos dos 40 anos de existência da Mossack Fonseca, existem referências à criação de mais de 300 sociedades offshores ligadas ao Grupo Espírito Santo. A sociedade, refere o consórcio de jornalistas, foi eleita nos anos 80 pelo grupo português para criar e redomiciliar empresas de fachada.

Grande parte das sociedades criadas teria como principal objetivo dificultar qualquer possível investigação sobre quem tinha o quê e quem recebia o quê de quem.

Segundo o Expresso, para criar estas offshores em vários paraísos fiscais o Conselho Superior do GES recorreu a quatro estruturas fiduciárias que estavam na esfera do GES (a E.S. Services, a Gestar, a Eurofin e o Banque Privée E.S.) e a duas fora da esfera do grupo (a FTA Consulting e o escritório Ana Bruno e Associados).

Segundo as notícias tornadas hoje públicas, foi nesta lógica que nasceu a Escom.

Quanto ao “saco azul”, a E.S. Enterprises, foi sob a gestão da E.S. Services que este foi criado.

As outras offshores mais complexas, ligadas ao universo Espírito Santo, surgiram a pedido da Eurofin – sociedade que entretanto saiu da esfera do grupo.

De todas, a sociedade fiduciária mais ativa era mesmo a Gestar. Segundo os documentos analisados pelos jornalistas Rui Araújo (TVI) e Micael Pereira (Expresso), só para esta a Mossack criou 250 offshores, das três centenas que estão relacionadas com o grupo.

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