Voto holandês gera crise em Kiev, não em Bruxelas

O Presidente ucraniano ganhou o braço de ferro com o primeiro-ministro, que apresentou a demissão no domingo. Mas a liderança de Petro Poroshenko está também posta em causa com as revelações dos Papéis do Panamá e com a rejeição dos holandeses, em referendo da semana passada, ao acordo de associação da Ucrânia com a EU.

Voto holandês gera crise em Kiev, não em Bruxelas

Arseni Iatseniuk anunciou no domingo a sua demissão, que formalizará no Parlamento na terça-feira. Fê-lo menos de dois meses depois de ter sobrevivido a moção de censura convocada após apelo público do Presidente à demissão do governo.

A ‘sua’ Frente Popular deverá manter-se na coligação governamental, juntamente com o bloco de Poroshenko e com o partido da ex-primeira-ministra Iulia Timoschenko. Mas, na hora de sair, Iatseniuk não deixou de lamentar que “esta crise política foi criada artificialmente”, numa alfinetada aos seus parceiros de coligação, que acusa de o ter deixado como único alvo da ira popular face às duras reformas que o país se viu obrigado a concretizar de forma a receber assistência financeira externa.

Volodimir Groisman, um aliado de Poroshenko que atualmente ocupa o cargo de presidente do Parlamento, está a ser apontado como provável futuro chefe de governo, se os três blocos pró-União Europeia se entender quanto à manutenção da maioria parlamentar.

Algo que ainda não está confirmado, pois para além de Timoschenko exigir a revogação de umas das reformas já acordadas – o corte nos subsídios estatais na conta de eletricidade –, o próprio Poroshenko começa a ser muito criticado, incluindo dentro do seu próprio partido.

O resultado do referendo holandês – que na semana passada decretou a rejeição do país ao acordo de associação entre a EU e a Ucrânia, que em 2014 despoletou a crise política em Kiev que virias a derrubar o então presidente Viktor Ianukovich – “é um veredicto a um presidente que nos últimos dois anos escolheu sistemática e persistentemente o passado em vez do futuro”, disse o antigo jornalista Mustafa Nayem, eleito deputado no bloco de Poroshenko.

Caso contrário ficam em risco os milhões de dólares que o país espera receber resultantes dos acordos com o Ocidente e o FMI. A boa notícia é que, para já, a Comissão Europeia parece continuar a acreditar na capacidade reformista do bloco, uma vez que se prepara para introduzir um novo regime de vistos para cidadãos ucranianos, apesar do voto holandês.

“Pode parecer que estamos a ignorar os eleitores holandeses mas temos de manter a nossa palavra com a Ucrânia, que cumpriu todas as suas obrigações”, disse uma fonte de Bruxelas à Reuters, sob anonimato. 

nuno.e.lima@sol.pt