Mário Belo Morgado: ‘Temos que aumentar a capacidade de resposta dos tribunais’

Foi o primeiro civil a comandar a PSP, em 2002, e antes disso já dirigira os Serviços Judiciários, em 1991. Conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça, 59 anos, acaba de ser eleito vice-presidente do Conselho da Magistratura, órgão de gestão e disciplina dos juízes. Defende que o principal desafio da Justiça é «funcionar sem demoras».

Mário Belo Morgado: ‘Temos que aumentar a capacidade de resposta dos tribunais’

Foi o único candidato nas eleições para a vice-presidência do Conselho Superior da Magistratura, realizadas na quinta-feira, algo que não acontecia há pelo menos duas décadas, em que se defrontaram sempre pelo menos duas listas. Interpreta isso como um verdadeiro sinal de união ou não haverá também aqui muita desmotivação e descrença entre os juízes?

Aquilo que constatei durante a campanha foi uma atitude de esperança e expectativa positiva por parte da generalidade dos colegas, compreendendo a importância de uma lista abrangente, capaz de mobilizar as sinergias de todos os juízes. O que nos une é muito mais importante do que aquilo que nos separa.

No seu programa de candidatura refere que é preciso reforçar a confiança dos juízes no Conselho e o peso institucional deste, bem como «resolver os complexos desafios» com que se defrontam. Que desafios são esses?

Num sistema judicial com qualidade têm que estar verificados três requisitos: ser imparcial, ser justo e funcionar sem demoras injustificadas. Entre nós, os dois primeiros requisitos estão essencialmente verificados. Os juízes portugueses são dos mais independentes do mundo. E também é geralmente reconhecido que, na grande maioria dos casos,  as suas decisões são acertadas, sensatas e justas. Mas temos que aumentar a capacidade de resposta dos tribunais. É este o principal desafio que se nos coloca.

Tem havido queixas de que os juízes estão a subir na carreira mais pela formação teórica e intervenção académica e social – ou seja, pela acumulação de cursos, artigos publicados e conferências – do que pela forma como exercem as suas funções nos tribunais e despacham processos, que tem um peso inferior. Concorda?

Concordo que, no essencial, o currículo académico deve ser valorizado na medida em que se repercuta positivamente no exercício funcional da judicatura.

E concorda que o currículo académico continue a ter maior peso?

 Não. Penso que nos concursos de acesso aos tribunais superiores deve valorizar-se especialmente a qualidade revelada pelos juízes no exercício das sua profissão, aspeto que deve prevalecer sobre os demais fatores a considerar, embora sem os neutralizar. Claro que a formação académica complementar ou um percurso rico fora dos tribunais podem contribuir para aumentar a qualidade de um juiz. Mas, sem ignorar a multiplicidade das experiências que para isso concorreram, estaremos sempre, no fundo, a avaliar o desempenho profissional do magistrado.

O CSM tem autonomia financeira, mas relativa, uma vez que o orçamento é fixado pelo Governo. Pensa que devia poder negociar o orçamento e depois geri-lo de forma autónoma?

É fundamental aprofundar a autonomia financeira do Conselho, dotando-o dos meios financeiros necessários ao adequado desempenho das múltiplas funções que lhe estão cometidas.

Mas de que forma é que essa autonomia financeira deve ser aprofundada?

Um exemplo: devendo passar a ser remuneradas as situações de acumulação de funções por parte de juízes, o CSM deve ter um orçamento que lhe permita gerir adequadamente esses casos e, só por si, proceder ao respetivo pagamento.

Quase dois anos depois da reorganização dos tribunais, considera que esta trouxe vantagens? Quais? E quais são os principais problemas que é urgente resolver?

A principal vantagem reside na circunstância de as comarcas terem agora uma escala que permite a quase total especialização dos tribunais, a par de um novo modelo de gestão também potenciador de eficácia e eficiência. Quanto aos problemas, considero que a circunstância de o distrito, enquanto unidade territorial base das comarcas, tem uma extensão que me parece algo excessiva. Depois, verifica-se um desajustamento dos quadros de alguns tribunais, em especial de muitas das secções de Execução e de Comércio, que receberam todos os processos pendentes nos antigos tribunais cíveis da área de cada comarca. Há ainda um insuficiente recrutamento de magistrados, tendo em conta, nomeadamente, o números de jubilações previstas para os próximos anos, além da escassez de oficias de justiça. 

Mas faltam juízes?

Sendo certo que os recursos humanos nunca são os ideais, a perceção que tenho é que neste momento não temos uma falta gritante de juízes. Mas, se não passarmos a ter anualmente cursos de ingresso na magistratura judicial, dentro de dois a três anos teremos uma situação muito difícil nesta matéria.

Alguns dos tribunais encerrados em 2014, ou então reduzidos às secretarias, deviam ser reabertos como defendem os respetivos autarcas e dirigentes políticos?

Isso é uma opção política sobre a qual me dispenso de opinar.

Em setembro, terei de prestar declarações como testemunha num julgamento que vai decorrer na Instância Local Criminal de Lisboa Juiz Acha que o cidadão comum percebe esta designação, ou mesmo que se refere a um tribunal?

Acho essa nomenclatura confusa e incompatível com a dignidade e simbolismo que não podem deixar de estar presentes nas instituições judiciárias.

O Conselho tem recebido uma série de queixas de magistrados relativas a decisões dos juízes presidentes das comarcas quanto à sua colocação e deslocação dentro dos tribunais do distrito, que consideram arbitrárias. No seu programa, refere precisamente a necessidade de defender a inamovibilidade do juiz e o princípio do juiz natural. Como pretende resolver isso?

Não conheço o número dessas reclamações, nem em que medida são justificadas. É verdade que há uma certa tensão entre os princípios matriciais que menciona e, por outro lado, os imperativos de gestão e funcionalidade dos tribunais, nos quais se jogam os direitos dos cidadãos ao acesso ao direito, à tutela jurisdicional efetiva e a um processo judicial sem demoras injustificadas. Há que harmonizar estes valores conflituantes, no respeito pelo conteúdo essencial dos princípios da inamovibilidade e do juiz natural.