Álvaro Covões. “Sinto uma vontade genuína de querer mudar o mundo”

      

Não consegue parar quieto e por isso tem alguma dificuldade em dizer que não. É isso que o faz organizar cada vez mais eventos, entre os quais aquele que foi considerado o melhor festival de música do país, e, além disto, estar a preparar a sua candidatura para o Turismo de Lisboa. Tudo porque, como em tudo aquilo em que se envolveu na vida, acredita que pode marcar a diferença. É que, sem querer fazer política, Álvaro Covões tem um quê de político.

Este ano comemora o décimo aniversário do NOS Alive e o festival parece estar mais vivo que nunca, com órgãos de comunicação social em todo o mundo a apontarem o festival como um dos melhores cartazes do ano. Era obrigatório assinalar esta data com uma posição de força?

É evidente que o número dez é um número redondo, mas em todas as edições tentamos fazer o melhor possível. Não nos aplicámos mais nesta. A grande satisfação é que, aquilo que no início parecia difícil, que era fazer um festival de música e arte, aconteceu. Conseguimos implantar as outras formas de arte: há três anos implantámos o palco Jardim Caixa, com humor, e este ano vamos lançar o palco EDP Fado Café, onde vamos poder mostrar aos que gostam e aos estrangeiros uma forma de fazer música que é só nossa.

Isso é ainda mais importante quando o festival se prepara para bater os recordes do passado, tendo já mais de 25 mil bilhetes vendidos para estrangeiros?

Isto é um fenómeno internacional. Todos os grandes festivais do mundo têm uma componente de estrangeiros grande. Mas sim, este ano vamos chegar à fasquia dos 30 mil estrangeiros, o dobro do ano passado. Por isso, quando vejo atirarem foguetes por um evento que traz a Portugal cinco mil estrangeiros… Há dois parentes pobres que, apesar de terem muita notoriedade nos media, são sempre os parentes pobres das políticas e que são a música e o futebol.

O futebol é um parente pobre?

Claro. Basta irmos ao site Visit Lisboa para ver que ninguém fala em futebol. Se for ao Visit Madrid falam em futebol, no Visit London está lá a Premier League. Sem preconceito. Nós ainda temos muito preconceito. Ainda assim, este ano, pela primeira vez, o Turismo de Portugal tem um programa sério de apoio aos festivais na promoção externa.

Este aumento de turistas reflete essa mudança de política?

Acho que sim. Mas foi sobretudo um trabalho que foi feito ao logo dos anos. O festival foi desenhado, desde o início, para ser um festival internacional. Temos de ter consciência que juntar 50 mil pessoas por dia, num recinto, num país com dez milhões de habitantes, só é possível atraindo públicos de outros países.

Durante muitos anos os portugueses iam lá fora a festivais porque cá não havia. O que faz os estrangeiros virem cá?

Em primeiro lugar o conteúdo. E depois o destino.

Mas esse conteúdo replica-se por vários festivais de verão.

Este ano não. Os Arcade Fire, por exemplo, só vão fazer dois festivais na Europa durante o verão todo.

O que faz bandas como os Arcade Fire ou os Radiohead virem ao NOS Alive quando não vão tocar durante o verão?

Primeiro porque construímos uma notoriedade na indústria. Não deixa de ser curioso que temos mais reconhecimento na imprensa internacional do que na nacional. E a prova disso é que as pessoas não compram só por causa do cartaz, compram porque os opinion makers, que são os jornalistas, dizem que é um festival e um destino que valem a pena conhecer. Temos feito vários estudos e entre 60% a 70% dos estrangeiros que nos visitam é a primeira vez que estão em Portugal. E 70% fica cinco dias ou mais, que ultrapassa todas as médias do turismo na região de Lisboa. Isto significa que somos um produto correto para captar turistas. Aliás, tenho vendido muito a ideia, e acho que já foi captada pelas pessoas mais ligadas ao turismo, da importância dos conteúdos para a valorização de um destino.

Aliás, já disse inúmeras vezes que considera que um dos grandes problemas do destino Portugal é a falta de conteúdos.

Claro. Falando de Lisboa, os principais conteúdos estão esgotados: o Castelo de São Jorge, a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos e os Pastéis de Belém. São filas e filas. Se olharmos para os números de visitantes destes locais eles não aumentam porque não é possível. Temos de ter uma preocupação acrescida de aumentarmos o número de conteúdos de relevância. Mas como, infelizmente, muitos deles são controlados pelo Estado e o Estado tem uma máquina muito lenta e não tem espírito empresarial…

Faltam parcerias público-privadas?

Completamente. Aliás, já fizemos algumas com a Direção-geral do Património e provou-se serem parcerias de sucesso.

Como a exposição da Joana Vasconcelos?

Sim. E trataram-se de parcerias em que o risco do estado foi zero.

O que justifica que não aconteça mais vezes?

Não é a mim que tem de perguntar isso. Eu tenho tentado. Mas acho que, em Portugal, sofremos de uma doença patológica, que já é secular. Quem está na coisa pública pensa que é o dono, mas o dono é o povo. Temos tanta coisa fechada, que os portugueses não veem há muito tempo porque quem nos representa assim decide.

É esse o caso das joias reais de que já falou?

Sim, há 26 anos que ninguém as vê e não acho isso normal. Já falei  nisso várias vezes a quem de direito e responderam-me que não podia fazer essa exposição porque “essa vamos fazer nós”. E isto não tem a ver com este governo ou com o anterior, é uma questão política. E o problema maior é que não tenho a menor dúvida de que uma boa exposição poderia ter um milhão de visitantes por ano e portanto estamos a falar de muito dinheiro que deitamos fora. Por isso digo muitas vezes que, ao contrário do que dizem, somos um país rico, porque temos riquezas que não exploramos convenientemente.

Isso é postura de rico?

Sim. Lembro-me quando tivemos a intervenção da Troika, que foram momentos muito difíceis. Nessas fases, o Estado deve dar o exemplo, quando recebesse alguém não devia fazer um banquete, porque só os ricos é que fazem banquetes. Quando não há dinheiro fico sempre preocupado quando vejo grandes Mercedes.

Justamente na sequência da entrada da Troika, lembro-me de ouvir comentar como era possível que os festivais de música continuassem cheios.

Isso é confundir as coisas. Uma das perguntas que me fazem muito é como é que é possível, em tempo de crise, a indústria de espetáculos ter crescido. Mas crise não significa apocalipse. Crise não significa fechar a porta. Nesses momentos, as empresas que retraem pagam a fatura. Em momentos de crise tem de se atacar, tem de se melhorar o produto, investir mais em marketing. E temos de acreditar mais em nós. Ainda hoje estava a contar esta história: no final dos anos 60, um engenheiro de som da RTP, preocupado com a qualidade do som nos exteriores, inventou aquela esponja que se põe no microfone. Mas nem ele nem a RTP registaram a patente. O nosso talento existe. Temos de acreditar que somos bons, porque somos. Só isso explica que um país como o nosso esteja no roteiro dos grandes concertos.

O que quer dizer com “um país como o nosso”?

As pessoas não imaginam… é preciso olhar para o mapa. Os grandes artistas, as grandes tournées, não vem de avião, vêm por estrada, o que significa que a logística de transportes é fundamental. Tanto Lisboa como o Porto estão a 600 km da cidade seguinte que é Madrid. Qualquer pessoa que esteja a organizar uma tournée pensa porque é que vai fazer 1200km para ir e vir a Portugal e fazer 1200 km? Isto só é possível porque temos público, somos um país organizado e temos profissionais muito superiores ao resto do mundo. Isto faz com que toda a gente queira trabalhar em Portugal.

Continuam a pedir-lhe para virem tocar ao Alive?

Ai sim! E não são só os artistas. Este ano deve ser o primeiro ano em que o pedido de borlas vem mais do estrangeiro do que cá de dentro. Há muita gente da indústria que quer vir ao festival.

Qual foi a primeira banda que fechou este ano?

Não vem! [risos] Fechámos mas não chegou a ser anunciada e afinal não vem. Mudaram de planos.

Das que vão cá estar há uma relação especial com os Radiohead?

Há com muitas bandas. Mas sim, acho que eles se sentiram muito bem no festival. É preciso não esquecer que eles tinham tido um acidente no Canadá, no qual tinha morrido uma pessoa da equipa  e o equipamento ficou todo destruído. Quando chegaram a Portugal sentiram um carinho imenso do público. E, além disto, no passado, dois deles passavam sempre férias em Portugal, um na Madeira e o outro no Algarve.

Ainda antes disso houve aquele famoso concerto no Restelo, em que era a primeira parte dos James e que fez com que mudassem toda a carreira.

Essa história é muito antiga. Em 1993 eles estavam cheios de dívidas e tinham decidido acabar. Chegaram cá e, além de estar lá toda a gente quando eles começaram, o que nem sempre acontece para a banda de suporte. E depois as pessoas conheciam as músicas deles e cantaram do princípio ao fim. Quando acabaram o concerto, acharam que não deviam terminar a banda porque afinal tinham qualquer coisa.

Este ano a banda que lhe ficou atravessada foram os LCD Soundsystem?

Não, não.

Mas faziam sentido no NOS Alive?

Faziam, mas o dinheiro não estica. E também há os slots. Se estamos a negociar e o único slot que temos para oferecer são as seis da tarde, não vale a pena os LCD.

O facto de ser ano de Rock in Rio obriga-o a ter um cartaz ainda mais forte?

Acho que não. A distância entre os dois festivais é grande. De resto, nós tentamos ter sempre o melhor cartaz porque queremos ser um dos melhores festivais do mundo. E, à nossa dimensão, já o conseguimos. Obviamente não somos um festival para 120 mil pessoas e com 20 palcos.

Sente que está a chegar ao ponto em que o festival corre o risco de se tornar maior que o recinto?

Não, não! Aquilo está correto: 55 mil pessoas.

Não sente vontade de alargar o festival?

Muitas vezes os eventos têm a ver com o local onde se realizam. É uma germinação. Não imagino o festival noutro local. O Alive é aquele festival, naquele local. São 55 mil pessoas por noite e acabou. E nós temos vários produtos, não só o Alive. Quando atingirmos a maturidade, em que pomos os bilhetes à venda e nem é preciso fazer marketing, podemos pensar em fazer ainda mais produtos. Mas não tem de ser mais um festival.

O facto de este ano o NOS Alive receber o maior número de sempre de estrangeiros, num ano em que o mundo está em convulsão em termos de segurança, traz-lhe preocupações acrescidas em termos de segurança?

A segurança nunca se discute na praça pública. Mas o que posso dizer é que temos sempre uma preocupação enorme com a segurança. Sempre. Não é preciso acontecer algo. E trabalhamos em permanência com todas as autoridades. Dentro daquilo que é a situação normal, as pessoas podem estar tranquilas. Porque existe preocupação. Mas não podemos entrar na loucura coletiva. Às vezes as pessoas pensam que é porreiro organizar um festival, mas não é assim tão simples.

Outra das suas preocupações é a venda de bilhetes no mercado paralelo?

É uma batalha antiga. A especulação preocupa-nos. Um dia perguntei às autoridades porque é que havia países onde havia mercado secundário, vulgo, candonga, e em Portugal era proibido. Explicaram-me que esta medida pretende defender a economia. O mercado secundário seca a economia. Quem pagar o dobro do preço por um bilhete vai deixar de gastar noutra atividade. Não podemos incentivar isto. Este é um cavalo de batalha até para os artistas. Até a Comissão Europeia está a discutir muito este tema. Acho um absurdo como é que plataformas como o OLX podem ter uma secção de bilhetes quando se sabe que ali se vende em especulação. É um absurdo. Faz-me confusão saber que um jovem pode ir ali e gastar o que tem e o que não tem para comprar um bilhete de um artista que adora e nem sabe que está a cometer um crime porque está a comprar através de uma plataforma que supostamente é legal.

Esse seu lado meio político já lhe rendeu muitos convites para entrar na política?

Não, porque eu sou incontrolável. [risos] Não posso ir contra as minhas convicções.

E isso não se aplica à política?

Ultimamente muito pouco. No estado em que o país está, devíamos estar todos a trabalhar de mãos dadas. E não é isso que se vê. Parece que vivemos um jogo do gato e do rato em que, quando se está na oposição, o que interessa é destruir para se ganhar as próximas eleições. E depois quem paga a fatura somos nós. Quando trabalhei nos mercados financeiros aprendi uma coisa muito importante: saber parar quando a coisa está a correr mal. No nosso país, o que falhou foi a supervisão. Há mais controlo agora, mas porque dependemos das instituições internacionais. De resto, dá a sensação que continua tudo na mesma.

Apesar dessa sua posição, a verdade é que cada vez está mais envolvido em cargos com proximidade com a política. É presidente da Associação de Turismo Militar, está no LIDE – Grupo de Líderes Empresariais…

Tenho um problema, que não sei se é geracional. Mas sempre me ensinaram que temos compromissos com a sociedade, não nos podemos fechar em casa e deixar de participar. O mundo só muda se houver intervenção pública das pessoas.

Isso, em última instância, é a alma do político.

Eu sei, mas a política mesmo não me atrai. Qualquer indivíduo que entre na política vai ver a sua vida escrutinada para ver se há 30 anos roubou um chupa-chupa no supermercado. As pessoas não estão dispostas a isso. Assim como não estão dispostas a serem pagas miseravelmente tendo a responsabilidade que têm. Mas há muitas formas de fazer politica e, para mim, uma das melhores, é estar na vida civil. Prefiro estar no lado da sociedade civil do que no lado da política.

O lado a que não está mesmo a resistir é o turismo, tanto que já anunciou que pensa candidatar-se à direção do Turismo de Lisboa.

Sim, estou muito interessado no turismo, acho que é a grande indústria. Agora, não podemos é cometer erros como as SCUT. Não podemos dizer às pessoas para virem e depois tratá-las assim. O problema é que não há uma estratégia nacional para pensar o turismo. Ainda há muito trabalho a fazer para a promoção internacional da cidade, não nos podemos embebedar com as notícias que nós próprios damos de nós ou que saem lá fora sobre nós. Temos de nos embebedar quando sentirmos que as grandes cadeias de hotéis de luxo querem vir para Lisboa e praticar as tarifas que fazem noutros países. Estamos muito bem, mas ainda falta fazer muito.

Diz que estamos muito bem, mas nos últimos tempos as vozes críticas em relação ao que se está a passar com o turismo em Lisboa multiplicam-se, nomeadamente pela destruição de alguns locais emblemáticos da cidade.

Mas também não pode ser o senhorio o patrocinador desses locais. Isso também é um absurdo. Quando os cafés históricos se transformaram todos em bancos ninguém disse nada. Temos de ser justos com toda a gente. A minha opinião é: criou-se uma taxa turística em Lisboa, então, se se provar que a existência de algumas lojas é boa para o turismo mas o seu negócio não chega para pagar uma renda atualizada, então essa taxa deve subsidiar esses locais.

Apesar de rejeitar a política, também não se afasta totalmente. É a genética que o influencia, uma vez que o seu bisavô foi político?

Sim, foi deputado da primeira assembleia e fez parte do grupo de trabalho que fez o projeto-lei das oito horas de trabalho. E sou da geração do 25 de abril, estive em todas as lutas estudantis. Faço parte de uma geração muito politizada.

Até em casa?

Um bocadinho. Lembro-me que antes do 25 de abril havia conversas que não podia repetir fora de casa. E depois do 25 de abril lembro-me de o meu pai andar fugido porque foi fundador do partido mais à direita, o PSDP. E nessa altura só se podia ser de esquerda. Mas eu era um privilegiado. Como a minha família estava ligada ao Coliseu, via como viviam os povos do leste porque as companhias iam lá atuar. E via que era mentira que eles fossem muito livres e felizes, eles viviam muito policiados. Entre a propaganda da altura e isto, ganhei um certo calo político.

Foi encaminhado para ser um homem de direita?

Não sei o que é isso da direita e da esquerda.

Mas já votou à esquerda?

Nunca… Sempre mais à direita. Isso é porque estudei gestão e acredito na iniciativa privada.

Falou das recordações do Coliseu, que pertencia à sua família. São as imagens mais fortes que guarda da infância?

Sim. Lembro-me quando veio o Circo de Moscovo, em 1971, 20 dias esgotadíssimos, em pleno Estado Novo. Foi um acontecimento. Diziam que vinham aí os comunistas. Eu gostava de circo, mas gostava ainda mais de música. Gostava daquilo, mas na altura um miúdo não podia dizer aos pais que queria ir para artes, isso era uma vida boémia. Os meus pais queriam que eu fosse médico. Naquela altura a educação era estudar e ter um emprego para o resto da vida. Nem se sabia o que era um empreendedor. Hoje um cantor ou um futebolista pode ganhar dez vezes mais do que um médico.

A sua escolha de ir para gestão foi bem vista pelo seu pai?

Não. Ele zangou-se muito comigo. Disse-me: “Gestão? Pelo menos economia”.

E como foram os seus anos de universidade?

Estive sempre ligado ao movimento associativo. Estudei na Livre, ainda tentei ir para a Católica mas quando um padre me perguntou o nome dos meus pais vim-me embora da entrevista.

O que queria ser?

Era uma contradição. Por um lado dizia que queria ser gestor de produto, por outro sempre estive muito ligado à organização de espetáculos, que fazia mesmo durante a universidade.

Como assim?

Montei uma pequena empresa de organização de eventos com o meu pai. O primeiro espetáculo foi a Amália em nome próprio, no Coliseu, porque me apercebi que ela nunca tinha cantado em nome próprio no Coliseu e achei isso muito estranho. Foi em 1987. E nesse dia chovia torrencialmente e eu tive um exame de direito do trabalho. Tive 14 valores.

Quando começou realmente a ganhar dinheiro?

Nunca tive mesada, porque aos 12 anos comecei a trabalhar. Comecei por ir para o bar do Coliseu lavar copos, mas aí não ganhava nada. Depois passei a trabalhar mesmo no bar. Aos 15 anos já era gerente do bar. Era porreiro porque ganhava o meu dinheiro e estava ali sempre que havia algum evento.

E habituou-se a ver ali muita gente.

Sim. Lembro-me, por exemplo, da cena das bofetadas do PS, com o Sottomayor Cardia, Sampaio e Mário Soares. Vi tanta coisa e ouvi tanta coisa. Tive tantas vezes o Zeca Afonso a discutir política à minha frente. E vi o último concerto dele no Coliseu, uma coisa deslumbrante. Às vezes eram 5 da manhã e eu ainda ali estava apesar de ter aulas no dia a seguir. Eu sempre gostei de trabalhar.

Portanto este seu lado, que quem o conhece melhor lhe aponta sempre, de não parar quieto vem desde muito jovem?

Sim. Sinto uma vontade genuína de querer mudar o mundo.

Apesar de ter estudado e de ter começado a trabalhar muito jovem, ainda foi, pelo meio, fazer a tropa?

Sim. Quinze meses. Achei uma injustiça ter de ir, mas até gostei porque me meteram a fazer auditoria. Ainda avisei que se não queriam descobrir nada para não me meterem ali, mas o Comandante disse que era mesmo para descobrir, caso houvesse algo para descobrir. Mas não andava atrás de bandidos. Quando terminei o serviço, o meu pai já tinha falecido e portanto e produtora tinha terminado. Tinha de arranjar um emprego. Lembro-me que comprei o Expresso para ver o Expresso Empregos e respondi a cinco anúncios. Fui à fase final em quatro e fui contratado para três. Estamos a falar de 1990, eram tempos incríveis.

O que foi fazer?

Fui para uma empresa de peças e acessórios de automóveis apesar de nem saber o que era uma válvula. Dois meses depois fui convidado para trabalhar num banco porque uma pessoa que conheci, o diretor financeiro do banco, achou que eu tinha o perfil ideal para cambista. Nunca me esqueci do que ele me disse no primeiro dia: “Tu um dia não vais trabalhar aqui, mas vais ficar com um vício que sempre que abrires um jornal vais olhar para os câmbios”. E ainda hoje faço isso, já não nos jornais, mas no computador. Há vícios que não se perdem.

De tal forma que precisou de muitos anos para se libertar dessa área.

Era um trabalho entusiasmante. Nós éramos malucos.

Malucos estilo “O Lobo de Wall Street”?

Não, isso não existia em Portugal. Mas ganhávamos muito acima da média. Só que também dávamos muito dinheiro a ganhar.

Alguma vez lhe correu muito mal?

Não, porque depressa aprendi a parar.

Como é que, no meio disso tudo, nasce a Música no Coração, empresa que teve com Luís Montez?

Tínhamo-nos conhecido em 1985 e organizado um espetáculo, em 1990 organizamos outro, correu bem e criamos a empresa. Naquela altura só havia concertos de dois em dois meses, enquanto que nas outras cidades havia concertos todos os dias. Vi uma hipótese de negócio.

Mas demorou até deixar os mercados financeiros.

Não podia, tinha comprado uma casa e ainda não sabia como iria correr. Cheguei a ter um ritmo diário de trabalhar entre as oito da manhã e as onze da noite. Mas eu gosto de trabalhar e só nas novelas é que as pessoas têm uma reunião e vão para casa descansar porque já trabalharam muito. Só saí dos mercados quando cheguei a um ponto em que todos os meus períodos de férias estavam ocupados com festivais de música. Saí da banca a 31 de dezembro de 1997, o primeiro festival aconteceu em 1995, o Super Bock Super Rock. O meu filho António nasceu poucos dias antes. Foi uma experiência incrível, de fazer algo maior e ver que havia público. Tivemos os The Cure. Os bons momentos são quando vemos a cara do público que dá por bem empregue o dinheiro que gastou. E depois tivemos o Sudoeste, que foi engraçado porque na primeira edição a comissão de moradores protestou imenso, depois perceberam que também ganhavam muito com o festival.

Como surgiu a ideia inicial de trazerem os festivais para Portugal?

Havia duas empresas que lideravam o mercado e disputavam quase todo o mercado de concertos de estádio. Nós éramos sempre a terceira escolha e por isso tivemos de ser criativos.

Porque se retira da Música do Coração?

Tínhamos pontos de vista diferentes sobre a gestão futura das empresas e estávamos num impasse. Achei que devia sair. Mas ainda falamos, até porque continuamos a ter negócios em comum, nas rádios, como a Radar e a Oxigénio. Além de a Everything is New ser a melhor cliente do Pavilhão Atlântico.

Já digeriu essa derrota no Pavilhão Atlântico?

No dia. Mais uma coisa que aprendi isso nos mercados. Ofereci menos dinheiro.

Porque diz que não gosta de se aproximar muito dos artistas?

É como quando viajamos e dizemos que estamos cansados. Agora imagine uma pessoa que viaja todos os dias. Temos de lhes dar espaço para se sentirem calmos. Não temos de os obrigar a tirar fotos com este e com aquele. Os artistas têm de se sentir o mais confortáveis para darem o seu melhor em palco. Também por isso é importante que façam as suas exigências e que essas exigências sejam totalmente respeitadas.

Quando se olha para si vê-se o homem dos espetáculos, dinâmico, com um certo ar de bon vivant. É difícil imaginá-lo numa cerimónia da maçonaria.

[risos] Porquê?

Talvez seja o avental… Porque faz sentido para si fazer parte da Maçonaria?

Para ser um homem livre, é essa a minha motivação principal. Mas existe muito preconceito.

Promovido pela própria Maçonaria, que não apenas assume um certo secretismo, como surge sempre associada ao poder.

Se fosse secreta, não estávamos a falar. Isso é uma falácia, não há só pessoas de poder e milionários na Maçonaria. Aprendi uma coisa no mundo do espetáculo. Qual é o maior espetáculo do mundo? O ilusionismo. E o que faz o ilusionismo? Pôr todo o mundo a olhar para a mão direita enquanto se faz um truque com a mão esquerda.