Molière e Miguel Loureiro: uma amizade das antigas

Salvem-se os treinadores de bancada. Se é gente, por norma, rude, modos brutos para maldizer, também é gente de impulso, que diz quase sempre sem saber, ainda que diga espontaneamente. O mesmo não se pode dizer da crítica, aquela de camarote, sempre abraçada, em busca constante, à palavra construtiva. Se a crítica tivesse sido, desde…

O Impromptu de Versalhes é como um manifesto de resposta, algo que nem fez por vontade própria, mas antes por aceder a um encosto na parede por parte do Rei Luís XIV. Esse mesmo que lhe deu oito dias para fazer uma peça que calasse os insubordinados que lhe apontavam o dedo, tudo isto para ser testemunhado na corte. Molière lá foi. Mas contrariado. «Este texto é o Molière a pôr-se em cena a ele próprio, mais os atores da sua companhia, onde se incluem a mulher, a sogra, e amigos, e que tentam fazer uma peça que dê resposta às várias críticas que os anteriores sucessos de Molière tiveram. De tal forma que o Rei pediu a Molière que desse uma resposta em palco, em divertimento para Versalhes», explica Miguel Loureiro, que em palco assume a pele de Molière, papel que acumula com a função de encenador. O Impromptu de Versalhes está na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II até dia 30 de abril. Ainda vai a tempo.

A escolha partiu de Tiago Rodrigues, o diretor artístico do D. Maria II, para comemorar os 170 anos desta casa – que se assinalaram na quarta-feira, dia 13 de abril. Rodrigues, apesar de tudo, foi mais compreensivo do que Luís XIV: «Não me deu oito dias, mas ultimamente os processos de produção do teatro têm sido encurtados, temos que ser mais intensos porque os atores têm que ter outros trabalhos e as agendas sobrepõem-se. Já fiz coisas quase em oito dias, pequenas peças ou performances, agora esta, com esta estrutura, em oito dias não seria possível», confessa Miguel Loureiro.

O cenário parece ter sido feito por um mestre-de-obras do século XVII. É que André Guedes, cenógrafo de serviço, utilizou mecanismos de palco da Sala Garrett – como um elevador que cria um fosso no palco, uma plataforma vulgarmente conhecida como ‘bolacha’ porque é redonda e rotativa – que há muito já não eram empregues. Há ainda um jogo de luz para dar ares de corte francesa. A isso quis juntar o chão original do palco: todo em madeira. Algo que Miguel Loureiro parece sempre associar a Molière. «O André Guedes quis utilizar aquelas estruturas que parecem pórticos pois quis fazer uma referência à Sala dos Espelhos do Palácio de Versalhes. Mas é também a questão da madeira, que é algo primordial no teatro. Quando penso em Molière penso sempre em madeira, quis que existisse um lado historicista no espetáculo».

Dizer ênfáse (sim, desta maneira)

Trocar a acentuação é dar uma volta à linguagem. Input de Miguel Loureiro, que relembra Fernanda Alves, atriz ligada ao D. Maria II, que, «acentuava os U a seguir aos Q», conta antes de acrescentar: «A questão da linguagem tem dois aspetos: por um lado gosto do estabelecimento do pitoresco pela linguagem e não tanto pela situação, o ator precisa de ter uma codificação. No caso de Molière é também uma das estratégias de comicidade, mas não deixam de se forma armas de codificação».

Saber se Molière cumpre o prazo dado por Luís XIV é, por estas paragens, o que menos importa. Preferimos saber se o fará com destreza. Não ache, estimado leitor, que o vamos revelar.