Ao ritmo alucinante de uma directa

Directa é, para mim, o livro de Nuno Bragança com o qual mais me identifico.

posso reler muitas vezes algumas páginas, e ele tem sempre a modernidade que me emocionou e interpelou naquele domingo de 1977.

quando paria um livro (e eram sempre partos difíceis), o nuno dava os primeiros exemplares a alguns amigos, e ficava sentado à espera que o telefone tocasse com o feedback.

a primeira leitura era sempre rápida, e só depois, relendo, se saboreava.

a dom quixote publicou em 2009 a sua obra completa, e eu voltei a ler o directa.

hoje, em plena crise, outra crise, acredito que só homens e mulheres capazes de viver ‘directas’ em nome de ideais podem ajudar-nos a sair do pântano.

directa (designação noctívaga de ‘dia ligado a dia’, sem dormir) surge como um percurso ao longo de 31 horas sem repouso. 31 horas de movimento e luta. o ritmo alucinante faz-nos perder o fôlego, mesmo na ausência de efeitos especiais.

ora, anda por aí um homem, chamemos-lhe ‘francisco’, que refinou a dimensão do directa do nuno bragança, mantendo-lhe o conteúdo e a tensão permanente e acrescentando-lhe a alegria.

apanhei boleia numa dessas aventuras.

destino: porto. primeira paragem: fátima. era maio, mas o dia 13 já lá ia. reunião com uns senhores crescidos, que pareciam tratar de questões determinantes para o salto qualitativo que a humanidade precisa. almoço rápido, e a carrinha cinzenta volta à a1. às 17 horas, gravações de palestras que passarão a desoras à sexta-feira num canal de tv.

chove forte. às 20 horas, jantar partilhado com amigos na casa que conhece como se fossesua – e para onde leva a mulher velha que trouxe da capital até ao porto, onde trabalham os médicos que são a sua segurança, quando os amigos teimam em morrer fora de tempo.

era dia de festa na cidade. encontrar amigos, trocar sorrisos e cumplicidades era o objectivo na noite fria com farturas sem sal. conversas, muitas conversas, com muitas pessoas.

já no dia seguinte chega à casa paterna e continua ligado ao computador. não sei até que horas. café de feira pela manhã, em casa de outros amigos. reunião com os vereadores da câmara municipal da maia para combinar ajuda não paternalista a são tomé e príncipe. duas garfadas rápidas para forrar o estômago. partida para braga.

encontro quase repousante em montariol, com um perito em remédios conventuais. a paz da horta. corrida para um convento onde as clarissas tinham angariado caixotes de panos e de leite de substituição para filhos de mães quase mortas de sida. reza com elas e com outros que o esperam.

de novo na estrada, vai ao encontro do médico que lhe dá a segurança de ter feito tudo o que estava ao seu alcance para adiar a morte calma da mulher velha. reúnem numa estação de serviço. quando partem, falta ainda dia e meio ao mesmo ritmo.

retomo directa na última página: «ouve – disse o homem– cristo estará em directa até ao final dos tempos».

catalinapestana@gmail.com