Alugam-se bancadas nos estádios portugueses

Nenhum clube do escalão principal em Inglaterra leva menos adeptos ao estádio do que o Queens Park Rangers (QPR) e na Alemanha é o Friburgo que menos os atrai. Mas a média por jogo em Portugal fica aquém tanto de um como do outro.

apesar de a 1.ª liga que agora terminou ter registado um aumento de quase mil espectadores por jogo em relação à edição anterior, a fasquia mantém-se abaixo dos 11 mil, metade do que arrasta o friburgo e menos cinco mil do que o qpr. um cenário desolador num país em que o futebol é rei.

com o impulso dos estádios construídos ou remodelados por altura do euro-2004, o campeonato português viu o número de espectadores sair dos mínimos históricos e mais do que duplicar para os níveis actuais. mas desde então estagnou. getafe e cagliari, os piores em espanha e itália, ficam a menos de dois mil adeptos da média portuguesa.

a forte dependência das transmissões televisivas – que controlam o horário dos jogos a pensar em audiências e não em assistências –, a falta de estratégias de marketing junto da população mais próxima e as suspeitas sobre a credibilidade da competição são alguns dos factores que ajudam a explicar as diferenças para as prin- cipais ligas europeias.

outro é a excessiva influência de fc porto, benfica e sporting, que monopolizam as paixões dos adeptos como não se vê nos restantes países.

«portugal está demasiado dependente dos três ‘grandes’. se os retirarmos, os números baixam significativamente, para 4.900 adeptos por jogo», observa ao sol daniel sá, director do instituto português de administração de marketing.

excluindo também o sp. braga e o vitória de guimarães, quarto e quinto clubes com mais fiéis, a média desce para os 3.300, valor já de si ‘engordado’ pelos jogos frente aos ‘grandes’.

o benfica acabou esta época com uma média de 44,5 mil espectadores no estádio da luz (o que, dada a capacidade para 65 mil pessoas, representa uma taxa de ocupação de 78%), mais quatro mil do que em 2010/11, o que lhe vale um lugar entre os 25 melhores da europa. seguiu-se o fc porto, que desceu dos 37 para os 35 mil (taxa de ocupação de 77%), e por fim o sporting, que bateu o recorde do novo estádio de alvalade, com 34.493 de média (uma ocupação de 79%), e mais 145 mil no total do que na época anterior.

em conjunto, os três maiores clubes de portugal – curiosamente com percentagens de lugares ocupados muito próximas – contribuíram com quase dois terços dos adeptos que se deslocaram aos estádios. um peso sem paralelo na alemanha, inglaterra, espanha e itália, onde os três clubes mais seguidos são responsáveis por menos de metade das assistências.

joão nuno coelho, sociólogo com vários estudos nesta área, considera que «a ditadura dos três ‘grandes’» em portugal agudiza o distanciamento entre os outros clubes e as suas cidades. «não há afecto», resume ao sol, lembrando que hoje «não existe vida social à volta dos estádios» e saudoso de ver «os adeptos mais velhos a jogar às cartas nos cafés dos clubes».

para o sociólogo, a culpa é em boa medida dos dirigentes. «os clubes deixaram de ser o que eram. é difícil perceber por que já não recrutam jovens locais, por que terminou essa relação com os mais novos e desapareceu a função social que antigamente existia», solta, para rematar que assim é difícil rejuvenescer a base de apoiantes e criar adeptos fiéis», dando como exemplo o caso do belenenses, que antes de ter descido à 2.ª liga, em 2010, já atravessava uma grave crise de assistências.

a solução, segundo daniel sá, passa por criar estratégias de marketing tendo como alvo os mais jovens, política que tem sido seguida com êxito pelo gil vicente, sétimo clube da 1.ª liga com maiores assistências (5.047 por jogo).

«tem uma média de espectadores muito interessante, fruto de um trabalho sério de captação e de um elaborado plano de marketing que faz toda a diferença», elogia o especialista em marketing desportivo.

o clube de barcelos investiu em campanhas de proximidade, bilhetes mais baratos e pacotes de família, promovendo o envolvimento dos seus jogadores com a comunidade através de visitas às escolas. ao oferecerem às crianças convites para os jogos, passaram a bola aos mais pequenos para convencerem os pais a levarem-nos ao futebol.

também o sp. braga e o v. guimarães têm perseguido os mesmos objectivos, com campanhas de angariação de sócios viradas para as famílias. «devem ser um investimento constante para que não se percam os hábitos de ir ao futebol», sugere daniel sá, que descarta a sensação de insegurança como um dos motivos para os pais não levarem os filhos aos estádios: «face ao número de jogos, os incidentes são mínimos. o problema da segurança não interfere».

em guimarães, o vitória local sempre foi apontado como um exemplo de ligação à cidade, mas tem vindo a perder assistência. se em 2008/09 contou com 248 mil adeptos no seu estádio, esta época ficou-se pelos 171 mil, o que para joão nuno coelho é justificado, principalmente, pelas dificuldades financeiras do clube, «que desiludem as pessoas».

este é um dos «factores externos» que, na opinião do sociólogo, comprometem a assiduidade nas bancadas. mas tão ou mais devastadores são as suspeitas de corrupção e os ataques aos árbitros, o pão-nosso-de-cada-dia do futebol nacional. «estão sempre a denegrir o produto e a ideia de que há factores externos ao jogo a influenciar resultados afasta os adeptos», avisa.

como se não bastasse, há ainda os obstáculos criados pelas transmissões televisivas (cinco por jornada) e pelo custo dos bilhetes, entre os seis e os 75 euros. «os portugueses estão muito dependentes da televisão, por isso é que num país em que não se fala de mais nada os estádios estão vazios», argumenta joão nuno coelho, que se indigna com os preços praticados: «como é possível que uma criança com mais de três anos pague um bilhete de adulto?». para quem é assinante dos canais sporttv, os 20 jogos da 1.ª liga transmitidos por mês saem a pouco mais de um euro cada. e_ainda há os ‘bónus’ das ligas internacionais.

a média de espectadores por jogo da liga portuguesa é a 13.ª melhor da europa na época que agora acaba, atrás das já referidas e ainda da holanda, frança, segunda divisão de inglaterra e alemanha, escócia, suíça, bélgica e ucrânia.

além do preço mais acessível dos bilhetes e de quase toda a jornada se disputar ao sábado à tarde, a liderança dos alemães explica-se em boa parte com o entusiasmo que gerou o mundial de 2006. antes de serem escolhidos para organizar a competição, há 12 anos, havia 30 mil pessoas por encontro nos estádios. agora são 45 mil. dos 18 clubes da divisão principal, 14 tiveram mais de 90% da lotação preenchida durante a temporada.

para um país com dez milhões de habitantes como portugal, os 11 mil adeptos por jogo «são um valor razoável», de acordo com daniel sá, que não encontra na crise nem na chegada do fmi motivos para se verem tantas bancadas vazias. o problema, diz, «é de estratégia» e desagua na incapacidade para atrair espectadores «num país que gosta tanto de bola».

entre os 12 campeonatos que superam o português em assistências, é um facto que nove beneficiam de os seus países terem uma população maior e que o belga se encontra em pé de igualdade. mas nos outros dois, o da escócia e o da suíça, a desvantagem populacional é evidente.

em comum a estas duas excepções salta à vista uma aposta num reduzido número de clubes a competir no escalão principal, 12 no caso dos escoceses e 10 no que respeita aos suíços. numa altura em que tanto se discute o alargamento da 1.ª liga de 16 para 18 equipas, é um dado que dá que pensar.

aqui fica outro: os dois clubes que desceram à 2.ª liga, união de leiria e feirense, registaram médias de 2.200 e 3.200 adeptos por jogo ao longo da época; os dois que subiram, estoril e moreirense, ficaram-se pelos 800 e 1.200. nada que os duelos com benfica, fc porto e sporting não ajudem a atenuar em 2012/13.

rui.antunes@sol.pt