Marcelo está a falar demais?

Marcelo não foge aos microfones: comenta a atualidade, responde às perguntas e até dá notícias. Só esta semana foram duas: a da indicação de Elisa Ferreira para o Banco de Portugal e a saída do secretário de Estado Wengorovius Menezes (anunciada no site da Presidência antes de o Governo a revelar). Nunca se tinha visto…

Marcelo está a falar demais?

«Os primeiros três meses são os que definem um mandato e têm de ser assim. É preciso marcar terreno, definir posições e estabelecer um estilo», diz uma fonte próxima de Marcelo Rebelo de Sousa, explicando que isso justifica a agenda particularmente intensa deste arranque na Presidência. Mas será que, depois disso, Marcelo vai abrandar? Quem o conhece bem não acredita nisso.

«Abrandar não diria, não é do feitio dele. Mas é natural que não fale todos os dias ou pelo menos que não fale várias vezes por dia depois de ter marcado território», comenta a mesma fonte.

‘Habituem-se’

«O Presidente não vai alterar a sua maneira de ser», afirma outra fonte próxima, com um aviso. «Habituem-se».

O recado pode servir para Passos Coelho, que não gostou de ver o Presidente vir em socorro público de António Costa quando este decidiu intervir na banca e reunir com a empresária angolana Isabel dos Santos.

Mas serve também para a líder do BE, Catarina Martins, que não ficou contente com a forma como Rebelo de Sousa deu a entender aos jornalistas, em primeira mão, o nome da eurodeputada socialista Elisa Ferreira para a administração do Banco de Portugal. «Seria mais saudável para a democracia se houvesse uma indicação formal», reagiu com evidente desconforto  a líder bloquista.

‘Banaliza a sua opinião’

Quem também não tem apreciado o novo estilo presidencial é José Pacheco Pereira, que escreve esta semana na revista Sábado sobre «o problema de opinar sobre tudo».

Para Pacheco Pereira, Marcelo «faz mal em banalizar a sua opinião, porque nem tudo vai ser tão fácil como é nestes dias». O comentador defende que se agora o Presidente se apresenta sempre tão disponível para comentar a atualidade, mais tarde o seu silêncio pode ser lido como um sinal de discordância, dando um peso acrescido à reserva presidencial.

Por outro lado, acrescenta Pacheco Pereira, «acresce a tentação de tornar o Conselho de Estado numa espécie de Governo próprio a que ele Presidente preside».

A ideia de que Marcelo está a falar demais não é, porém, unânime. António Barreto acha que o Presidente tem acertado no tom e na dose das intervenções, precisamente porque o momento político é de instabilidade e Rebelo de Sousa pode vir a ter de usar o capital político que está agora a amealhar numa situação de crise que pode nem sequer estar longe. «O Presidente tem de estar preparado para tudo e mais alguma coisa», avisa o sociólogo, que acha que a gestão política deste início de mandato lhe reforça a legitimidade para qualquer decisão que possa ter de vir a tomar.

‘É o mesmo que esperar que um pássaro não voe’

«As negociações sobre o Programa de Estabilidade vão ser duríssimas», antevê Barreto, que aplaude a forma como o Presidente tem ocupado um lugar que estava «semi vago» depois da passagem de Cavaco Silva por Belém e também graças à fórmula encontrada por António Costa para formar Governo. Barreto fala mesmo num «vazio na coesão institucional» que agora Marcelo está a saber ocupar.

«Está a fazer muito e a falar bastante porque é necessário», defende ao SOL, acrescentando que outra coisa não se esperaria de alguém com o perfil de Marcelo Rebelo de Sousa. «Esperar que este Presidente esteja quieto e de cortinas corridas é o mesmo que esperar que um pássaro não voe», afirma António Barreto.

Assunção Cristas também entende o Presidente, admitindo que essa forma irrequieta de estar faz parte da sua maneira de ser. E diz até já se ter habituado à ideia de que será sempre assim enquanto ele estiver no Palácio de Belém. «Marcelo é igual a si próprio e quem esperava outra coisa desengane-se. Vemos Marcelo a saltar de instituição em instituição, de geografia em geografia, de assunto em assunto, como o víamos ao domingo como comentador a tratar de vários assuntos com grande energia e entusiasmo. É o estilo dele», defendeu ontem a líder do CDS em entrevista ao i, acrescentando que não vê nessa forma de estar algo que exceda os poderes presidenciais. «Marcelo Rebelo de Sousa usará todos os poderes que tem até ao limite possível na Constituição», considera.