Christophe Fonseca: ‘Não é aceitável que fora de Portugal ninguém conheça Amadeo’

Um luso-francês conta a história de Amadeo,  o jovem pintor que há um século deixou a sua aldeia e chegou a Paris para ajudar a modernidade a cumprir-se, sem complexos de inferioridade e cheio de orgulho em ser português. O documentário passa esta quarta-feira na RTP1.

Um luso-francês conta a história de Amadeo,  o jovem pintor que há um século deixou a sua aldeia e chegou a Paris para ajudar a modernidade a cumprir-se, sem complexos de inferioridade e cheio de orgulho em ser português. O documentário passa esta quarta-feira na RTP1.

Um inesperado sucesso que nem o mais perfeito alinhamento de astros teria antecipado. Numa noite em que o Benfica recebia na Luz o Bayern de Munique, na luta por um lugar nas meias finais da Liga dos Campeões, Amadeo de Souza-Cardoso tinha um encontro marcado com o público no grande auditório da Gulbenkian. A ante-estreia do documentário dedicado ao pintor português, reinvindicando-o como OÚltimo Segredo da Arte Moderna não tinha números para competir com o Benfica, mas, com uma sala a abarrotar, superou as melhores expectativas do realizador, Christophe Fonseca.

Oque sentiu ao exibir este filme perante uma sala lotada, com várias pessoas a assistir em pé?

Nunca tinha visto isto em Paris, e o facto de acontecer em Portugal é para mim simbolicamente muito relevante. Não nasci cá – a minha família está há várias gerações em França – mas mantenho um amor sem explicação por Portugal e pela cultura portuguesa. E tento sempre combater os preconceitos – e há muitos – à volta da arte, da cultura portuguesa. Um deles é esse de que os portugueses não se interessam tanto como os franceses por cultura. Muitas vezes desencorajam-nos dizendo que este tipo de propostas não vão interessar a ninguém. Disseram-me que um filme sobre Amadeo se passasse na RTP2 às três da manhã já era uma sorte. Fomos além dos preconceitos e as coisas aconteceram.

O que o levou a querer contar a história dele?

Além da obra, o que mais me tocou foi a personagem. Estamos a falar de um jovem artista que vem de uma aldeia que se chama Manhufe, no Norte de Portugal. Com 18 anos faz as malas, um dia antes de fazer 19, e com essa idade chega a Paris, vai-se apresentar como Amadeo de Souza-Cardoso, o artista portuguêsm, e chega sem nenhum complexo de inferioridade. Adoro esse personagem, porque este é também o meu combate. Não sofrer complexos, impor a cultura, e julgo que ele percebeu a atitude certa que precisamos de ter. É um exemplo para todos nós.

Com este documentário pretende revelar o ‘segredo’ de Amadeo ao mundo?

Estamos a falar de um génio. Como é possível que um artista como ele que esteve no centro das vanguardas, esteve no centro do que de melhor se fazia a nível da arte moderna, tenha acabado no esquecimento? Como é que hoje, em 2016, ninguém o conhece fora de Portugal? Isto para mim não é aceitável. Então, fomos à procura do reconhecimento internacional e foi por isso que viajámos bastante e fomos entrevistar especialistas no mundo inteiro. A partir daí fomos à procura das figuras de referência, como o director científico do Grand Palais em Paris, a ex-directora do Pompidou, especialistas norte-americanos.

Algum deles conhecia o Amadeo?

Nalguns casos desconheciam-no totalmente. Tivemos que levar documentação, apresentá-lo. Mas quer conhecessem ou desconhecessem, a reação que tivemos foi sempre a mesma. Ficavam admiradíssimos perante a obra de Amadeo, e sobretudo todos chegaram à mesma conclusão: temos de reescrever a história.

Amadeo pode, como Fernando Pessoa, ser um embaixador da nossa cultura e um artista universal?

Amadeo tem tudo para ser essa figura. Tem o génio, tem uma obra fantástica, tem a atitude. Tivemos o cuidado de mostrar o melhor de Amadeo, de divulgar também as paisagens de Portugal, e todos ficaram impressionados também com as suas origens. Acho que temos também de nos servir deste tipo de artistas para ir além, não só conhecer Amadeo mas dar a conhecer o que está por trás. Na minha perspectiva o que temos aqui é um diamante ainda em bruto, falta ainda trabalhar mas temos imensa coisa para divulgar.