Temos tendência a ver o Renascimento como uma época ‘clássica’, de grandes realizações no campo das artes e da arquitetura, e sem grandes sobressaltos. Burckhardt, que era filho de um clérigo e estudou teologia em Basileia e história da arte em Berlim, subverte esta ideia por completo. Fala sobre a maledicência de Pietro Aretino e as intrigas na Santa Sé; sobre fomes, pestes, cercos e engenhos militares; mas também sobre produtos de beleza e hábitos de higiene; ou ainda os jardins zoológicos privados dos príncipes, entre os quais era um sinal de distinção possuir animais ferozes como leopardos ou ursos.
Omelhor exemplo dos contrastes e contradições do Renascimento italiano encontra-se, no entanto, na figura de um malfeitor que por acaso (ou talvez não) era um homem da Igreja. “A 12 de Agosto de 1495, o padre Don Niccolò de’ Pelegati de Figarolo foi encerrado numa jaula de ferro no exterior da torre de San Giuliano em Ferrara. Ele tinha por duas vezes celebrado a sua primeira missa; da primeira vez tinha no mesmo dia cometido um assassínio, mas posteriormente recebera absolvição de Roma; tinha então morto quatro pessoas e desposado duas mulheres, com quem viajou. Posteriormente tomou parte em vários h9omicídios, violou mulheres, arrastou outras à força, pilhou por toda a parte, e infestou o território de Ferrara com um bando de seguidores em uniforme, extorquindo comida e abrigo por toda a espécie de violência”. E ainda há quem pense que o Renascimento é uma época aborrecida.
Jacob Burckhardt
The Civilization of the Renaissance in Italy
Phaidon, 2001 (ed. original 1860)
506 págs.