Portugal obrigado a ver-se ao espelho

‘E se fosse consigo?’ é um programa de informação que a SIC estreou na segunda-feira, conduzido por Conceição Lino. Baseia-se numa ideia simples: encenar uma história sobre um tema polémico, provocando e filmando ao mesmo tempo as reações de quem assiste, e conjugar isto com relatos da vida real, além de outros apontamentos de reportagem.

Neste primeiro tema, o racismo, procurava-se saber se os portugueses são racistas e como reagem perante uma cena de choque, desempenhada por três atores: um pai e a filha, brancos, discutiam alto e bom som na esplanada de um café porque o progenitor reagiu mal quando ela lhe apresentou o namorado, que era negro. O pai falava em termos ofensivos e dizia as maiores atrocidades, a mais branda das quais era “com tantos rapazes, foste logo arranjar um preto?”.

A cena foi representada várias vezes, com diferentes pessoas a assistir. O objetivo era ver as reações – e os resultados foram em parte os esperados. Como Conceição Lino notou, a maioria das pessoas não se manifestou nem interveio, apesar de se torcerem muito nas cadeiras. Apenas duas – e mulheres, curiosamente – interpelaram diretamente o pai e censuraram-no. Mesmo assim, uma delas, e de cor, chamou a rapariga à atenção por não ter preparado primeiro o pai para a novidade que lhe ia apresentar. E dois homens, interpelados depois por Conceição Lino, acharam “natural” a reação do pai: afinal, “quem é o pai que não reagiria assim”?

Mas também houve boas surpresas, como uma senhora e dois homens que se levantaram, mal o pai desapareceu, para ir consolar o par de namorados, incentivando-os a irem em frente.

O programa continuou, com depoimentos de um casal em que ele é negro e ela branca, e de algumas figuras conhecidas que contaram a discriminação sofrida ao longo das suas vidas por serem negras – relatos previsíveis e que são a dura realidade. Mesmo assim, foi surpreendente ouvir o deputado Hélder Amaral contar como não estava preparado para ouvir os filhos pequenos queixarem-se de que tinham colegas cujos pais os tinham proibido de se darem com eles.

Mas um verdadeiro murro no estômago foi assistir às respostas de crianças de seis e sete anos, umas brancas e outras negras, instadas a darem a sua opinião sobre uma boneca preta e outra branca, de feições exatamente iguais. Uma experiência que vem dos anos 40 do século XX, feita então nos EUA, que teve aqui resultados semelhantes: a esmagadora maioria dos 20 meninos e meninas, incluindo negros, respondeu que a boneca branca é mais bonita e alguns diziam mesmo que a preta é má. Várias das crianças negras responderam até que a cor castanha, a sua, “é feia” e identificaram ‘cor de pele’ como sendo a da palma das suas mãos, ou seja, esbranquiçada.

Há quase 20 anos, os consultores de uma empresa contratada para dar formação a jornalistas, numas palestras em que participei, repetiam-nos até à exaustão uma ideia muito simples: o bom jornalismo é aquele que interpela e faz pensar. E se fosse consigo? é bom jornalismo, além de uma lufada de ar fresco no monótono panorama da televisão portuguesa.

Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 23/04/2016 

paula.azevedo@sol.pt