O quase sucesso de Marcelo em Moçambique

Marcelo partiu para Moçambique com uma missão complicada. O Presidente levou na mala a intenção de se apresentar como mediador do conflito, político e militar, cada vez mais tenso entre Frelimo e Renamo. Mas as boas intenções acabaram goradas, com Rebelo de Sousa a admitir que só poderá intervir se for chamado a fazê-lo por…

O objetivo diplomático esteve longe de ser um sucesso e, pelo meio, o Presidente ainda recebeu a notícia complicada – e nada agradável para o ambiente da visita – de o grupo de doadores do Orçamento do Estado de Moçambique ter decidido suspender a ajuda internacional ao país, após a revelação de dívidas ocultadas nas contas públicas.

Não se pode dizer que não tenha sido uma viagem atribulada. Mas, ontem, o Presidente que Passos Coelho acha que «irradia felicidade» rematou a visita com uma perspetiva otimista, assegurando ter tido «agradáveis surpresas» no que toca aos caminhos da paz no país. Para a posteridade fica, também, a imagem feliz e pouco usual de um Presidente que dança músicas tribais, se mistura na multidão e desvaloriza os atrasos para dar atenção às pessoas.

A missão diplomática

A intenção, avançada ao Expresso ainda antes de embarcar para Maputo, era de servir de intermediário nas relações tensas entre Frelimo e Renamo. Para isso, antecedeu mesmo a viagem com uma visita à Comunidade de Santo Egídio, em Roma, com grande influência em Moçambique.

Mas, chegado a Maputo, rapidamente o Presidente teve de reconhecer que não devia «meter a carroça à frente dos bois» e esperar para ser chamado a intervir pelas partes.

A líder da Renamo pediu essa mesma intervenção, mas ficou claro que o tema é demasiado sensível para voluntarismos. Apesar disso, o Presidente teve encontros para mediar o conflito e saiu com uma mensagem otimista. «O que eu digo é que tive agradáveis surpresas nos últimos dias. Agradáveis surpresas na preocupação com a paz, agradáveis surpresas quanto à urgência de haver uma aproximação de pontos de vista e quanto à vontade de haver essa aproximação», revelou aos jornalistas.

A polémica ortográfica

A polémica foi lançada pouco antes de o Presidente pisar o solo moçambicano. Marcelo lembrou que o Acordo Ortográfico não está ainda em vigor em Moçambique nem em Angola e afirmou ver nisso uma oportunidade para repensar uma reforma da Língua que ainda não parou de dar polémica. Bastou isso para se reacender o debate. Pelo meio, Belém tentou desvalorizar a celeuma que se levantou, com o assessor cultural do Presidente, Pedro Mexia – também contra o Acordo – a garantir ao i que Marcelo «não é um militante anti-acordo». Isto já depois de o Governo, pela voz de Augusto Santos Silva, ter dado o assunto por terminado, dizendo aguardar apenas pela ratificação do Acordo nos países que ainda não concluíram esse processo.

Apesar disso, Rebelo de Sousa não resistiu e confessou já em Moçambique que só usa as novas regras ortográficas nas funções oficiais.

A relação com António Costa

Confrontado com as previsões da primavera da Comissão Europeia durante a visita, Marcelo saiu em defesa de António Costa. Onde Bruxelas vê sinais para preocupação, o Presidente garantiu ver uma boa notícia. «Se o défice for 2,7% é uma boa notícia, é um valor como não me lembro há muitos anos em Portugal», disse em reação a uma previsão que contraria os 2,2% previstos por Mário Centeno e pelo Governo.

Esta defesa do Executivo contrasta, porém, com algumas alfinetadas que, aqui e ali, foi dando a Costa num estilo mais informal do que era tradição na Presidência. Foram vários os desabafos bem humorados, mas recheados de significado político que foram sendo apanhados pelos jornalistas. «Tenho de levar isso para Lisboa. Mais despesa, mais despesa, mais despesa e o défice não aumenta. Isso é sensacional!», dizia, depois de ver um aluno a fazer uma experiência que consistia em introduzir objetos num copo já cheio de água sem o fazer transbordar. «Exemplifica lá que eu tenho de explicar isso ao Governo», lançou, divertido, ao estudante da Escola Portuguesa de Maputo.

«Vou levar para o meu gabinete e faço assim sempre que me aparecer um diploma do Governo ou da Assembleia da República», comentava no Parlamento, erguendo a estatueta de um guerrilheiro que lhe foi oferecida. Para compensar a tirada, haveria de dizer mais tarde que «governar os povos não é governar para números, mas para pessoas». A indireta ia direitinha para Passos Coelho que uma semana antes comentava que Marcelo é um Presidente que «irradia felicidade», em entrevista ao SOL.  «Mesmo quando os números são fundamentais, quem tem responsabilidades políticas sabe que o que os números têm de garantir é a felicidade das pessoas», respondia à distância o chefe do Estado que, apesar dos comentários jocosos sobre a despesa, parece interessado em mostrar solidariedade institucional ao pimeiro-ministro.

«Sou um homem de afetos, não presidencialista, portanto não posso usar muita força», afirmava ontem, num reparo que pode ser lido como uma resposta às críticas que lhe faz a moção do BE ao Congresso.

O novo estilo presidencial

É possível que Marcelo tenha batido nesta viagem o recorde de selfies tiradas por um chefe do Estado. Não ficou nem uma por tirar sempre que alguém se mostrou interessado nisso.

Numa visita com um caráter afetivo e de memória muito acentuado – Marcelo não esconde que considera Moçambique a sua segunda pátria – o Presidente também não poupou nos abraços e nos beijos e não hesitou em mergulhar em multidões, mesmo deixando os seus seguranças à beira de um ataque de nervos.

Marcelo não se cansou de referir a relação pessoal que tem com um país onde passou algumas férias escolares na juventude, quando o seu pai foi governador de Moçambique, e onde tem voltado amiúde para dar aulas.

Igual a si próprio, não se escusou sequer a ensaiar os passos de uma dança tribal e marcou um estilo novo de ser Presidente em visita oficial, a anos-luz da distância formal do seu antecessor. E esse é, só por si, um dos grandes sucessos desta viagem.