Nem ouvem nem fingem que pretenderão ouvir

Um amigo, de formação jurídica, conta amiúde um episódio protagonizado há algumas dezenas de anos por um grande advogado português que ousou enfrentar um juiz que parecia dormitar quando o advogado apresentava ao tribunal as respetivas alegações finais. Na circunstância, o advogado interrompeu a alegação que proferia gerando um tal silêncio no tribunal que o…

“O senhor doutor não quer continuar”, questionou o juiz que logo ouviu, da parte do advogado, o que não esperava ouvir – “não quis privar vossa excelência das minhas palavras”. Agastado com esta resposta, o magistrado disse que estava a ouvir com atenção o advogado levando, em resposta, um segundo recado ainda mais forte – “Não duvido, mas o formalismo do tribunal é tal que mais importante do que ouvir é parecer que se está a ouvir”.

A lição que aquele advogado deu ao juiz, que ouvia sem ouvir as alegações finais de um julgamento, assenta que nem uma luva nestes mal entendidos em torno das alterações à lei do Arrendamento Urbano e até aos valores do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Não basta que se proclame uma atitude diferente no que respeita ao diálogo entre o Poder e a Sociedade Civil – é precise que essa diferença seja real.

E se há estrutura onde estas questões são sensíveis ela será a Comissão de Acompanhamento do Mercado de Arrendamento Urbano (CAMAU), estrutura de diálogo que integra a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), a Associação Nacional de Proprietários (ANP), a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), a Associação de Inquilinos e Condóminos do Norte de Portugal (AIN) e a Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL).

Empenhada, de forma expontânea e voluntária, em contribuir para superar constrangimentos que afetam a capacidade do imobiliário para a recuperação económica do país, nomeadamente no promissor mercado do Arrendamento Urbano, a CAMAU, que nasceu para emendar o erro do esvaziamento da Comissão de Monitorização da Lei do Arrendamento Urbano, criada em 2013, é um fórum de diálogo que merece ser respeitado.

Sem pôr em causa a autorida-de dos Governos, a ideia de que o Estado também somos todos nós, especialmente quando estamos de boa fé, só beneficia a gestão pública destas matérias, sendo que o contrário, ou seja o permanente desmentido da vontade de dialogar, nem o benefício da dúvida merece, independentemente das razões de tal atitude, quase sempre precipitações para mostrar serviço supostamente competente.

O que é difícil de gerir em política são estas franjas que contemplam precipitações de diversas matrizes – quer dos que são mais papistas do que o Papa e tentam mostrar serviço a todo o custo, quer dos que aproveitam qualquer falha de percurso para porem mais areia na engrenagem. Para bem do país, diferentemente daquela rábula do advogado, o ideal é que haja mesmo um respeito e um culto pelo diálogo.

*Presidente da CIMLOP – Confederação da Construção e do Imobiliário de Língua Oficial Portuguesa

presidente@cimlop.com