Vanessa. Dormir com ex-namorados é má ideia

Vanessa foi para Londres com o Zé Miguel, um antigo namorado, com quem tinha andado em 2008. Passaram oito anos, veio a troika, saiu a troika, veio a “geringonça” e a Vanessa, que tinha ido a Londres com o Zé Miguel nos tempos do amor pujante, quis agora regressar com ele ao sítio onde tinham…

Eu achei uma má ideia. Os ex-maridos são uma coisa – na realidade, fazem parte da família, no caso de as coisas terem corrido bem, Agora, os ex-namorados são uma categoria mais distante, mais complexa. Ex-namorados não são, de certeza, família. É verdade que podemos ficar amigos, mas almoçar, jantar ou beber um copo são atividades rápidas e perfeitamente indicadas para o convívio com ex-namorados. Mas viajar?

Tentei convencer, com delicadeza, a Vanessa a não ir para Londres com o Zé Miguel. Uma questão de prudência e intuição: quando as coisas têm que correr mal correm necessariamente pior. Mas penso que nunca na vida a Vanessa seguiu um conselho meu. Respondeu-me que adorava Londres e já nem se lembrava bem como adorava o Zé Manel e que se tinham há oito anos sido tão felizes em Londres o mais normal era que voltassem a ser esplendidamente felizes. Ou qualquer coisa hiperbólica deste género.

A Vanessa seguiu então para Londres com o Zé Miguel e chegou a Gatwick já de noite. Apanharam o expresso para a estação de Paddington e ficaram maravilhados: aterrar em Paddington à meia-noite é como chegar a uma festa. Londres é que é uma festa. Hemingway não publicou o “Paris é uma festa” enquanto esteve vivo porque no fundo no fundo lá saberia.

Foi quando chegaram a Paddington e ficaram embasbacados a olhar para as luzes que a Vanessa tocou pela primeira vez no braço do Zé Miguel de uma forma excessivamente tocante. Percebem o que eu estou a dizer, claro.

As emoções raramente têm qualquer explicação. Se nós nem as percebemos bem, como é que haverão os outros de as perceber? É para isso que existem psiquiatras e psicoterapeutas, mas são caros.

À medida que se iam encaminhando para o hotel de duas estrelas onde tinham alugado um único quarto “para poupar”, como me tinha dito a Vanessa, ela começou a pensar coisas. O Zé Miguel continuava giro. Mais velho, claro, mas ainda giro. Com um bocadinho de barriga, mas o que é um bocadinho de barriga?

O hotel era um pavor, como a maioria dos hotéis de Londres que a Vanessa podia pagar. O quarto duplo ficava nas traseiras, junto ao depósito do lixo, tinha uma única cama e media 6 metros quadrados. Nem isso angustiou especialmente a Vanessa, que manteve a exaltação dos sentidos com que tinha descido do comboio em Paddington.

Acho que não vou descrever pormenorizadamente a alegada casa de banho privativa porque era quase tão deprimente como o que viria a acontecer naquela cama depois. A Vanessa tomou um duche atrás de um cortinado e depois deitou-se na cama com a toalha enrolada no corpo. Quando o Zé Miguel se sentou ao seu lado depois do duche, a Vanessa achou que tinham que acontecer coisas.

A Vanessa beijou o Zé Miguel e ele parecia minimamente entusiasmado. Mas não muito. Então, a Vanessa começou a fazer esforços, mas nada.  O Zé Miguel sorria como se não estivesse ali. E  a avaliar pelo que não acontecia se calhar não estava mesmo ali.

– A culpa foi minha, disse-me a Vanessa, atordoada com o não-acontecimento, no dia seguinte ao telefone.

– Culpa de quê?

– Devíamos ter ido para Bloomsbury. Bloomsbury é o meu bairro favorito. Aposto que em Bloosmbury as coisas teriam sido diferentes.